28 abril 2008

ODE À ELENTARI

SE EU PUDESSE

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

21 abril 2008

stretno moj prijatelj *


Apetecia-me desenhar.
Não almejava uma obra de arte, apenas um pedaço de imaginação, ou um ‘eu’ distorcido.
Comecei o esboço e um rosto tomava contornos.
Eram contornos a preto e branco, talvez cinza, para ser mais precisa, devido ao carvão.
O avanço era pouco cromático por imprecisão da expressão que queria criar no retrato.
A paleta de cores, que ainda não tinha usado estava ali para colorir…
O cavalete segurava o meu retrato, inibido de cor.
A cada traço que delineava, ia encontrando uma imagem familiar.
Eram, na verdade, os riscos que corria.
A anulação de cor era vestígio dos dias cinzentos e macambúzios que me socorriam, quando mais ninguém tinha essa capacidade.
E de repente surgia novamente a omissão da paleta:
A paleta de cores estava ali para colorir…
Optei por deixar o rosto em primeiro plano, não ousei que os cabelos encobrissem a personalidade do desenho.
A sobrancelha, esguia, alinhava-se pelo olhar; vasto, incisivo, num toque indeciso ou longínquo. Definitivamente profundo.
As horas tinham passado em flecha, ainda que sem alvo e anoitecera.
A luz da lua iluminava o meu retrato. O foco da lua cheia era suficiente para me alumiar as ideias. Faltava pouco ou provavelmente muito, para terminá-lo.
As dúvidas atormentavam-me a composição da expressão e definição dos lábios. Estava disposta a rasgar um sorriso. Podia entreabri-los para confirmar o olhar. Queria eternizar o que a morte vai levar de mim.
Mais uma vez a indefinição abeirou-se-me, pela falta de cor.
Seria um desenho inacabado?
Ou uma manifestação cinzenta duma imagem que recriei.
Não estava a ser original.
(Re) conhecia-me, não na plenitude, mas na forma.
“A paleta de cores estava ali para colorir…”
Esse alcance fazia-me contrariar a vontade de avivar, aquele ser apagado e sem vida.
E tantas vezes passamos pela vida sem pegarmos nas cores, para a colorirmos, que subitamente encontrei alguma coragem e parti, na sua direcção. (pensei: se a coragem é gratuita porque é que estamos sucessivamente a escutar a frase: “Não tenho coragem”? ou mais errado ainda, a proferi-la?)
As tintas da paleta tinham secado, por isso refresquei-a com a textura e o odor, a fresco, a renovado.
Ostracizei a minha vontade, porque nem sempre ela me cumpre.
Dei-lhe cor, como se lhe tivesse dado vida.
Deleguei ao desenho o poder de transformação que me pertence.
Era um retrato de mulher.
Único.
Meu.
A sombra desapareceu.
E, o mundo das cores reproduziu-se. Uma única paleta não admitia tamanha diversidade cromática.
Se da noite brotam estrelas, nem ela gosta do vazio, da solidão, da escuridão.
A luz que erradia a vida é, por vezes, encoberta.
Destapo-a e ela toma o meu rumo.
Enquanto vaticínio, aceito-a.
Afinal, sobejamente, dizem que ‘há sempre uma luz ao fim do túnel’.

“Se não conseguimos encontrar contentamento em nós próprios, é inútil procurá-lo noutro lado.” (La Rouchefoucauld)


stretno moj prijatelj *


* “boa sorte” em Croata

12 abril 2008

Ideias ou ideais?

A Ideia

Força é pois ir buscar outro caminho!
Lançar o arco de outra nova ponte
Por onde a alma passe – e um alto monte
Aonde se abra à luz o nosso ninho.

Se nos negam aqui o pão e o vinho,
Avante! é largo, imenso, esse horizonte…
Não, não se fecha o Mundo! e além, defronte,
E em toda a parte há luz, vida e carinho!

Avante! os mortos ficarão sepultos…
Mas os vivos que sigam, sacudindo
Como o pó da estrada os velhos cultos!

Doce e brando era o seio de Jesus…
Que importa? havemos de passar, seguindo,
Se além do seio dele houver mais luz!


Antero de Quental
N: Ponta Delgada (Açores), 18-04-1842;
M: Ponta Delgada, 11-09-1891


(A ‘ideia’ até que é boa!)

03 abril 2008

Whatever...


Não corre brisa de vento.
Acho-me no sítio onde troquei o meu primeiro beijo.
O rapaz amava-me.
Eu, queria apenas sentir um beijo, o primeiro.
Foi uma sensação estranha, mas inclassificável.
Hoje estou aqui. Sozinha.
Não há lua bonita, nem estrelas. Apenas o areal, o mar e as lufadas quentes de verão, mas fora de época.
Acabara de vir duma sala de cinema. As mensagens do filme ainda entoavam na minha cabeça, talvez tenha transposto a minha vida naquela história de aproximadamente duas horas. Já é costume.
Quando um capítulo termina, há muitos outros para viver, retive.
Os meus pensamentos conspiravam contra a minha razão dedutiva, pois por mais pontos finais que coloque, a pontuação não corresponde ao que o coração sente.
A noite já pesava, as luzes alumiavam as ruas desertas, as músicas que trazia no rádio lembravam-me fantasmas e almas penadas, como quem recorda cada momento que a saudade alcança. A cada tema calmo e melodioso, imbuía-me na paz do mar bravo ali do lado com a passividade da areia e o ardor daquele termómetro nocturno. Brotava o querer desmesurado, num ponto da vista em que sai um líquido meio apurado de sal que não posso antever se algum dia fez sentido. Sem querer, elas caíam. Uma a uma, em queda livre abismal.
Das poucas certezas que tinha, uma era vital e certeira: os pontos finais não podem ser interrogações.
Tudo passa pelo ponto da vista em que nos concentramos. Não dizem que o amor é cego?
Se formos por aí eu quero isso a que chamamos amor. A vida tratará de amalgamar os outros sentidos.
Às vezes não precisamos mais nada.
Apenas alguém que nos faça companhia e leve embora a solidão e a isso também se chama amizade…
A compreensão da simplicidade desta constatação é clara, mas de tão subtil é quase sempre errada. Como diz Lavoisier: "nada se perde tudo se transforma", e desta feita esta compreensão não foge à regra.
É por isso que a cada dia que passa enalteço o meu sofázinho, porque ele é um bom amigo! Digo-o sem ter medo de represálias. Ele tem a capacidade de perceber que uma mulher tem sentimentos, estendendo-se de imediato de braços abertos para me acolher, sem reservas e sem pensar com a ‘consciência’ que me afasta. Sim. É uma indirecta perceptível à incompreensão deliberada de qualquer ser humano de sexo masculino.
Estou a ser sexista?!
Whatever.

02 abril 2008

Mentiras no dia delas... (1 de Abril)


Quero mentiras doces.
Mentiras de amor feroz e inexplicável.
Mentiras em que o meu corpo fica despido e no teu envolvido, recrio imagens do desejo.
Mentiras pragmáticas em que renego a verdade.
Mentiras em que crucifico a minha paz pelo sabor a ti.
“A vida é curta, é sonho de um momento.” (Bernardo Guimarães)
Os sonhos acordam em mim a pessoa que sou.
Apenas existo em sonhos,
Apenas existo em momentos…
Sinto este murmúrio falacioso a cruzar-se com a minha sombra exasperada.
Quero chamar Viver a cada sonho que cumpro.
A vida é realmente curta, para quem não sonha num único momento dela.
“Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.” (Fernando Pessoa)
Por isso é que os sonhos têm um tamanho incomensurável.
Correspondem à identidade e à mais fútil proximidade que temos connosco.
“Para ser grande sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa.“ (Fernando Pessoa)
Ser-se Único. Todos os dias da nossa vida… Sem temermos que cada atitude, gesto ou palavra tenha sido em vão… somente assim nos cumpriremos na íntegra.
“Integridade é fazer-se aquilo que está certo, mesmo que ninguém esteja a ver.” (Jim Stovall)
E, a humildade pode chegar a este ponto.
No fundo, a mensagem a transmitir fala de amor:
“Que eu tenha peso e medida em tudo… menos no amor.” (Balaguer)
Até porque: “A pior das prisões é um coração fechado.” (João Paulo II)
Subscrevo.
E se for mentira, dar-lhe-ei todo o crédito.