24 dezembro 2008

O mundo nas nossas vozes



A pequena Joana diz que quer «bolinhas de sabão» para brincar… mas não sei se resistem ao frio… talvez lhe sugira as bolas de neve… depois de a equipar toda para o gelo que está lá fora.
É um manto branco de tranquilidade invernal… o que avisto…
Da janela, a paisagem é serena… Floco por floco a “colori-la”... Afinal o branco é capaz de colorir… Ninguém diria…
Tenho uma imagem muito poética desta época… Pena circunscrever-se apenas a um fraco fragmento temporal…
Sinto uma paz no coração e, curiosamente, um ligeiro e vertiginoso desassossego impotente…
Será possível o amor a longo prazo, sempre seguindo o mesmo ritmo, a mesma violência?
Seremos capazes de preservar o que nos aquece o coração e liberta a alma das amarras inconsistentes?
Seremos capazes de fingir sentimentos, dissociando-nos do plano meramente representativo ou, viveremos num constante e contínuo plano de representação?
E por falar nas representações, que significado atribuiremos às imagens, cores e odores do Natal?
O presépio será uma encenação ou um símbolo?
Fantasmas, deuses, assombrações, mágicas ou anjos?
Como alguém disse: “Tudo o que existe faz falta.” E não é que faz mesmo???
Talvez a proximidade com o final de mais um ciclo me convença que tudo muda…
Ao mesmo tempo que crescemos, apercebemo-nos que as esperanças que depositam, em nós (crianças), não se coadunam com a realidade que vamos sustentando e alcançando… Como um “toc na cuca”, o 28 da Avenida da Estrela trazia estampado uma frase sui generis, que me paralisou e concentrou toda a atenção. Retive a ideia. “Só existimos nos dias em que fazemos, nos dias em que não fazemos, apenas duramos”…
Fazer perdurar uma existência exige biliões de minutos que se esperam, no mínimo, únicos. Estaremos à altura de os atingir na perfeição e sem desvelo? A tentação entre a vontade e a verdade será promíscua?
Quero minutos, quero momentos, quero vidas, quero extremos, quero exceder-me, quero atropelar o meu ser de vivências que me façam sentir… Se errar, se encontrar dificuldades, se toda uma existência se esvair, acreditarei no meu poder de renovação. Somos seres faseados, cíclicos, mas sempre perenes nos nossos pequenos mundos. No seu último livro, Rodrigo Guedes de Carvalho, questiona: “Para onde vão os amores que foram um dia?” Sejam eles quais forem, se são ou foram amores, não morrem, poderão eventualmente ficar mais apagados, a chama pode até ter diminuído a sua intensidade, mas enquanto o pavio se mantiver presente, muitas emoções soprarão o coração com o rigor com que chega e parte um furacão. Aquela luz não se apaga com um gentil sopro, somente com um vendaval. Para quê esquecer como castigo, o que um dia nos facultou um grande sorriso? Não faz sentido ser-se severo com o tempo, nem com o sentimento. Se é que não me contradigo…!?
Vejo a alegria estampada no rosto da Joana, ao ver as luzes da quadra. Ela vibra com os vários rostos de Pai Natal, acompanhados pelas suas barbinhas… ela quer abraçar todos… Eu não resisto a deixá-la, mas sem lhe tirar a vista de cima… Quero reter cada momento de felicidade dela… mesmo que com o brilho ao canto do olho.
Sinto-me a sonhar… apesar de estar tão perto… transporto-me à distância que trará a felicidade destes momentos… Surreal e única.
“Um sonho é apenas um sonho, mas uma vida é tudo o que sonhamos...” Será que a vida será assim tão linear? Passará pelo o que sonhamos ou pelo o que escolhemos?
Estaremos fadados a reconhecer a ilusão de que escolhemos o traço do nosso caminho?
Perseguiremos a nossa própria estrela guia?
De braços abertos, a menina corre na minha direcção como se não houvesse amanhã.
Eis que a desafio ao encontro com o novo. Ela nunca viu nevar.
Estará pronta para mais uma descoberta?
Nestas idades tudo parece ter mais encanto. Nem o frio, nem nada… os detém.
Mais do mesmo?
Certamente. Novidades atrás de novidades, o importante é provar o maior número de sabores na vida. E ter a capacidade de sair dela, muito próximo da perfeição existencial por nós proposta. Alugando algumas palavras proferidas por alguém, a vida pode não ser a festa que se espera, mas enquanto estivermos nela, deveremos aproveitar para dançar, para festejar cada instante, cada respirar… Afinal será isso que nos fará sobreviver da selva que nos acolhe a cada dia que passa.
Navego num eterno diálogo contigo, meu anjo… Para quê fugir do tempo? Isto de ficar sem ti, faz-me acreditar que sempre vamos querer uma vida só para nós, independentemente de nos multiplicarmos e resistirmos a provações assoladoras.
Que amor é este que suporta tanta contrariedade? Tenho muito amor para dar, por isso sempre terás o melhor de mim. Se a palavra “amor” é mesmo universal, deixemo-nos contagiar por ela, este Natal.
- Boa noite querida Joana. Dorme bem.
Sussurro, sabendo que já vagueia no mundo pequenino dos sonhos. Amanhã nascerá mais um dia alegre, sei que a sua vivacidade e alegria me farão eternamente feliz…
A propósito, o que pedirá ela ao Pai Natal este ano?