22 junho 2009

Horas vazias de alguém...


Algema de Ponteiros

O tempo não tinha esquinas, degraus de tropeçar, fechaduras de segredo.
O tempo não magoava, o tempo não traía, o tempo nunca feria o medo de não o ter.
Não era preciso fazer durar o tempo; o tempo já era a duração de si próprio.

Naquele tempo, a voz não tinha pressa, cada passo falava com a terra, cada dia era um dia, e não o antes da noite.

Encosto-me num recanto da cidade, observo, em pasmo, o correr cinzento das gentes, e dou por mim, virado criança, a andar lentamente pela berma do passeio.

Que é feito do tempo de ter tempo?
Que é feito do beijo das horas?
Onde está o mel da demora que barrava o pão de cada dia?
“O homem é dono do tempo”, disse alguém.
Mas quantos são os donos do tempo?

Tive poucos relógios em toda a minha vida.
Não gosto de sentir no pulso uma algema de ponteiros.

Autor: Emanuel Jorge Botelho