28 dezembro 2009

Vapores de um outrora como chave do 'hoje'...


Cala-se o freio dum comboio que deixou de calcinar e desbravar o ferro sólido dos carris…
Aquela noite não escutará qualquer outro zumbido da velha locomotiva.
Nem aquela nem outra…
Era o fim à vista duma história centenária… Sem lenha para continuar a arder.

Despedimo-nos a vapor…
O vapor que nos faz viver…
Segundo a segundo…
Numa respiração ofegante, deixamo-nos para trás e não ousamos olhar para trás, para não quebrar a promessa que fizéramos… Se olhássemos… Era certo que iria doer muito mais.
E éramos demasiado orgulhosos para nos deixarmos tentar por esse efeito…
Todos os dias se separa… a noite do dia… um minuto do seguinte… um momento do seguinte… um amor do seguinte… a vida da seguinte… a morte da seguinte…
Por quantas noites vou afastar o meu corpo do teu?
Quantos minutos terei?
Quantos momentos serão plenos?
Quanto amor teremos a menos?
Existirá vida depois de um ‘nós’ amalgamado?
Quantas vezes terei que morrer para te matar?
Quantos dias existirei sem ti?
É dessa ausência constante que tenho medo.
A quem interessa este meu segredo?
Ao silêncio que me basta.
À solidão que me ultrapassa.
A este definhar enfadonho…
A este ardil… de carícias fugidias…
A este volte face de sensações intransigentes e persecutórias…
À constelação de dramas tão universais…
Que vão de encontro a um… Coração. O meu.

Beijo-te…
Conforme beijo este Inverno infernal…
E sofro o sabor aguado… dum calor que se perde no acaso…
Pois nunca há maneira de o prever nem de o intuir dentro de mim…
Faltarão vínculos?
Ou lenha por queimar?
Que velha locomotiva esta…
Que com o tempo mais e mais… Se vai habituando a agarrar-se no sono àquele travesseiro que me leva aos sonhos… em que tu figuras igual… a um amor vivo… que não se perdeu, nem se esqueceu…
Em que naquele Adeus perturbador na estação de comboios… não viramos as costas… Pois não conseguimos ser indiferentes ao que sempre existiu…
Ao que sempre vivêramos…
E que se doutra maneira fosse… poderia existir, mas que como diria o anúncio… «não seria a mesma coisa»...
A linha destes comboios dificilmente mudará… poderá parar em várias estações, poderá tocar intensidades diferentes de velocidade, mas será sempre a mesma…
Nem sempre as mudanças nos acolhem de braços abertos.
Nem sempre as nossas expectativas se concretizam…
Poder-se-á esperar por períodos certos…
Sem nome… e sem qualquer identidade para que não se submetam aos compromissos das datas.
Mas arrancaremos esses tempos certos no passado, no presente ou no futuro?
Por mais que um concerto acústico seja desafiante e, a liberdade do momento entusiasme… por mais inédita que seja a pseudo-nova criação nem sempre terá o dom soberano de agradar na íntegra… Ainda que vários elementos comuns estejam presentes, a dissonância entre o convencional e o pseudo-(re)novado… acolhe a tendência sui generis de preferir-se o original… o original tem sempre mais gosto… As réplicas nem sempre…
É por isso que me recrimino quando o não consigo ser…
Ou provavelmente… quando penso que não o fui…
Ser-se genuíno está fora de moda… O que me assusta.
Não me parece grande ideia ser-se mais do mesmo…
Muito embora ‘mais dos mesmos’ é o que mais sobra por aí…
Se calhar é mais fácil ser-se assim…
E não de outra maneira…
Diz que a tecnologia ainda não atinge a personalidade…
E apesar de se mudarem tempos e vontades…
Ser ou não ser nestas questões sugiro que definitivamente não seja posto em questão…

11 dezembro 2009

Chuva de memórias de neve...


O chão escorregou-se-me dos pés…
A chuva caía…
A neve derretia…
E o frio de Inverno trespassava qualquer tecido que me cobrisse o corpo.
Entrei esbarrando-me contra todos os objectos assimétricos que enchiam aquele hall de entrada…
Só pensava em aquecer o corpo… se bem que a alma estava como de costume petrificada na insensibilidade enregelada.
Neste tempo bate-me à porta a melancolia…
Ou será que és tu a bater-me à porta?
Entre aquelas paredes caiadas de cores fortes, escondiam-se segredos…
Escondia-me eu… num vácuo profundo… que me tentava conservar a esperança doentia que sempre me encarcerou os sentidos.
Chegas sempre depois de mim.
Mas naquele dia a solidão estava mais transparente que o habitual.
Não precisava de mais calor senão o que a tua presença é capaz de oferecer.
Depois de um duche quente… Acendi a lareira do quarto.
Estava farta dos aquecimentos artificiais.
Dei por mim a olhar cada labareda… quase que hipnotizada…
O que esconderá este ritual?
Madeira fêmea…
Fogo másculo…
Fazem amor descontroladamente…
Amam-se num período de tempo fugaz e efémero…
Fundem-se num só…
E acabam arrefecidos e desfeitos…
Não sobra nada… apenas as memórias mortas.
É assim, não é?!
Deixei-me envolver no calor daquele amor descontrolado e entorpecida deixei-me levar pelo sono…
Todos somos testemunhas do amor dos outros e vítimas da sua confirmação.
Sombras de luz vagueavam sobre as paredes vazias, como se as preenchessem num desenho animado…
Aquelas imagens estavam ainda tão presentes no meu inconsciente que acho que as recreei numa espécie de versão romântica… mal sucumbi ao fascinante mundo dos sonhos.
Julgara eu que escorreguei… mas foste tu que me deitaste ao chão num passo de arte e mestria tal, que tinha pensado que tinha caído sozinha…
Olho para trás e por entre a chuva que teimava em cair vejo-te sorrir, apático, enquanto a custo me levanto. Falhavam as forças e não resistia… a parar o riso... É sempre assim só nos rimos do mal, mesmo quando o cenário nos inclui.
Abri a porta da entrada e tropecei no tapete, quase caía novamente… lá fora deixava a neve, o frio e a chuva daquele dia.
Trocámos beijos apaixonados… e cúmplices…
Aquecíamos e esquecíamos aquela atmosfera gélida que ficou para trás, mal se fechou a porta!
O coração batia aceleradamente…
Estremecíamos… com o prazer do reencontro…
A nossa casa escondia o que éramos um para o outro.
Muito mais do que podíamos imaginar…
Enquanto ateavas o fogo, preparava o vinho e o sofá.
No conforto dos nossos corpos erigimos mais uma epifania luxuriosa, avar…
Invejávamos o tempo que passava incessante sem estarmos juntos e mantínhamos o orgulho ao nos omitirmos.
Caíamos na ira da paixão desenfreada…
Em formas de gula de amor eterno…
Os artifícios das nossas vidas cruzavam-se com a preguiça dos nossos períodos estivais correntes...
Nas quatro estações vingávamos pelo assalto aos sete pecados mortais.
Num fogo que se satisfazia a arder…
Diante de um calor intenso,
Os nossos corpos eram chamas imortais, que jamais dariam tréguas…
Não seria um qualquer vento ou uma qualquer vaga de frio que nos faria vacilar.
Acordei com frio. Vi-te a olhar-me enternecido…
Balbuciava gemidos tropeçando nas poucas palavras roucas que conseguia emitir.
Fez-se um silêncio em tom de pausa e calaste-me com um beijo ternurento.
Sussurraste-me docemente ao ouvido: Feliz Natal…
Não mais transparecia a solidão. Aquela divisão da casa, não estava mais ‘dividida’. Assim como o coração se enchia de amor, igualmente a casa estava preenchida…
Voltaste a acender a lareira… Tinhas mais jeito que eu, admito.
Sem subterfúgios vivíamos a vida construindo permanentemente histórias tão nossas…
Amamos num período em que o tempo é fugaz e efémero…
Fundimo-nos múltiplas vezes num só…
Restam-nos e esperam-nos complexas metas.
Arrebatas-me dia-após-dia…
Quero perder-me no contacto com a vida…
Que renasce a cada reencontro.

05 dezembro 2009

Tempo de ciúmes... II


Redigi as mais belas palavras naquele papel sinuoso…
Entre altos e baixos deixei o negro da tinta perpetuar a fome dos dias apaixonados…
Reuni os sentimentos mais densos, desenhando letra a letra o amor que me desvirtuava os dias.
O brilho no olhar era permanente como a tinta rabiscada naquelas peculiares folhas…
Abri os braços e deixei-te entrar no meu peito…
E esse foi o meu único despeito.
O ciúme vacilava a cada imagem que não querias entender…
Estendia-se o intento da imprecisão de sentir.
Curavam-se feridas tamanhas…
Ou vivia-se nessa ilusão…
Concorríamos com os males dissidentes…
Mas que se uniam no fim…
Confiamos promessas peremptórias…
Mas é um vazio de nada o que agora temos entre os dedos…
Já não te confio a voz.
Perdi a força de te avistar…
Não mais iremos conquistar a paz de outrora…
As noites… que se rendiam à aurora…
Acordávamos com sons estrépitos que não consigo decifrar…
Estar contigo…
Fazia-me perder o controlo sobre o tempo…
O nosso amor… era arrebatador e cada fragmento, sinónimo de vida…
Perdemos a confiança um no outro.
Perdeu-se tudo…
De tanto que se perdeu, destruiu-se simultaneamente tudo…
Hoje nasce um tempo presente…
O ontem esvaiu-se na escuridão de uma noite densa, pesada e sem luar…
Ontem e todos os ‘ontens’ de outrora…
O que ficou de mim…?
Perscruto nos espelhos da alma…
São imagens turvas, distantes e quase perdidas…
É como se encontrasse um emaranhado de memórias desconexas que se assemelham à aleatoriedade de um baralho de cartas não viciado…
A cada carta, uma imagem diferente, um pensamento desordenado…
E, à medida que o tempo se forma enquanto passado…
Mais dúvidas me socorrem relativamente às prioridades que de verdade o são.
Nessa teia displicente tudo parece ao acaso e as minhas intuições caem por terra.
Sem respostas. Cem respostas me (des)encontram…
E tudo continua exactamente na mesma…
Devemos fazer cedências… sem esquecer que foram feitas.
Talvez a paz que procure esteja no silêncio que me recuso a atravessar.
Faço pausas infrutíferas.
E, unicamente consigo elevar o impasse e hesitar nas horas de decisão.
Cobro as minhas inseguranças com impulsos que se revelam correctos…
Se não for mais nada… É o alento a descoberto…
Cubro-me por entre mantos de esperança,
Escondo-me na vaga de angústia que me acolhe, vivendo um tempo asfixiada na dor de respirar…
Queimam-se velas que trazem o perfume de fragrâncias debeladas…
Arde um fogo que me consome pouco a pouco as já parcas forças…
E esfuma-se a débil lembrança de ti…
Restam cinzas de ciúme.
Mágoas que me deixam imune aos corredores de chamas que percorri.
Fica uma névoa a sobrevoar o passado…
Grotescos raios de sol oriundos do presente resplendecem, anulando a angústia encoberta.
Pouco a pouco…
Redobro esperanças…
E… Sacudo esse tempo que tanto me acorrentou…
É assim que coabito com as mais insistentes e teimosas forças que a natureza me deu.
As raízes desta alma estão cada vez mais integradas num ser que se recusa a ceder às selvagens quedas de água…
Acampo no dorso da imprevisibilidade dum tempo que se vê repartido em estádios desnivelados de vida…
E a cada sopro marco encontro com todas as esperanças que julgava esquecidas nesta fraca composição de mim…
Reinvento paisagens proibidas, miragens desinibidas e viajo indiscretamente pelo teu inconsciente abrigo…
Este estado de endeusamento colhe a febre das férteis emoções…
Às quais se me assiste a dúvida apoteótica que tanto me sacode os sentidos…
Porque desaparece o tempo?
Suspeito da sua inveja pela sua constante solidão.
Puro descrédito enciumado.
Quereremos nós espantar o tempo ou estará ele continuamente a espantar-nos a nós?
No meu universo, as interrogações vão beber à fúria das ondas de mar de Inverno…
Onde as esperanças concorrem a par com as (des)venturas dos temporais…
O momento a que me obrigo é de um irreversível Carpe Diem…
Recuso-me a confiar num amanhã qualquer que apareça escoltado por uma sombra longínqua de incerteza…
E socorro-me dos fragmentos de segundo categóricos que deliberam a cada instante… o último sopro de vida...