19 dezembro 2011

Feridas Expostas XI: Raízes de Amor



















Este ano, Madalena inovou no que às decorações natalícias diz respeito. Quis enfeitar um pinheiro natural. Há três anos atrás, numa feira sobre agricultura ofereceram-lhe um pinheiro manso bebé. Era pequeno e muito frágil. Trouxe-o com o máximo cuidado até casa, pois não queria comprometer a sua sobrevivência. O pinheirinho tinha raízes jovens e muito delicadas, por isso nada impedia que aquela arvorezinha um dia pudesse ser a árvore de Natal daquele lar…
Dizem que para se ser completo, “se deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho”, se bem que a ordem de ocorrência de cada momento seja aleatória. A Madalena, já só faltava escrever o livro…
Quando chegou a casa procurou no jardim um lugar de destaque, mas também que fosse protegido para que os dias de mau tempo não perturbassem o seu crescimento e saúde. Diariamente acompanhava o seu desenvolvimento… Não é à toa que todas as formas de vida têm inevitavelmente um passado. Todos os seres vivos têm sempre algo para contar.
E, foi nessa mescla de pensamentos filosóficos que Madalena embarcou na letargia das introspecções de fim de ano. Acocorou-se, sentindo aquele friozinho do inverno, perfumado pelo odor a terra húmida. Estava um pouco perdida, como deveria ornamentar ela aquele pedaço de vida?
Já longe, em pensamentos, tentou analisar o ano que passara tentando recordar os pontos fortes, os pontos fracos, as ameaças e as oportunidades surgidas, como se duma análise SWOT se tratasse… A marketeer, sempre soube que o marketing podia ser usado nos mais inusitados e múltiplos contextos! Sabia também que não queria reviver os pesadelos que tanto a marcaram no ano, optou por demarcar pontos coerentes e positivos seus e das pessoas que deambulam no seu dia-a-dia.
Dispersa nas memórias, foi mais longe, lembrou-se da infância feliz que já largara há duas décadas, sobretudo das luzes que brilhavam no seu olhar, das emoções que sentia na quadra natalícia, com a família toda reunida, casa cheia, os doces, as brincadeiras, os presentes que adorava e os que não dava grande importância… Que submundo foi ela despertar…?!
Depois, mais crescida, recordou como as suas prioridades mudaram, isto é, já não queria os ‘presentes-brinquedo’ preferia escolher o que lhe fazia falta naquele momento e expor directamente ao “Pai Natal”!
Hoje, nos seus 37 anos já não pede nada que venha embrulhado. Pede a saúde, a paz, a alegria, a solidariedade e o amor de todos e para todos, quantos a rodeiam. É admirável, como cada idade tem ideais tão distintos.
É ainda nesse desaguar de memórias, que lhe veio à lembrança um ente querido, que já partira. Madalena devia ter onze ou doze anos.
Era véspera de Natal estava ela e o avô na sala de jantar. Ligara-se o aquecedor para aquecer a atmosfera! Madalena terminava de pôr a mesa. E, como a programação televisiva era desinteressante, a menina lembrou-se de pegar numa cassete verde duma colecção da Walt Disney, que continha contos infantis e pô-la no aparelho de som a tocar: «O Natal do Tio Patinhas» da Editora Abril (1978). Era um conto de Natal de cerca de dez minutos, com o Zezinho, o Huguinho e o Luizinho, sobrinhos do Donald e o ‘carrancudo’ Tio Patinhas. Resumidamente, a história conta a mudança de atitude do Tio Patinhas face ao Natal, quando este diz não querer saber da quadra e vai para casa sozinho. Os sobrinhos não querendo que ele passe o Natal sozinho, mascaram-se de “Espíritos de Natal do «presente», do «passado» e do «futuro»”. Nesta abordagem acabam por conseguir amolecer o coração do velho Patinhas. Acompanhado por um ‘espírito’ é levado ‘sem querer’ até casa de Donald, juntando-se assim à comemoração do Natal em Família.
Entre músicas natalícias infantis e a narração da própria história, Madalena olhava o avô, que deixara cair algumas lágrimas, comovido, por aquele momento tão especial que a neta lhe proporcionara. Os dois escutaram atentamente toda a história. Era notável aquela cumplicidade, aquele laço. Ela adorava o avô.
Quando finalmente voltou a si, um pouco nostálgica e melancólica, decidiu homenagear naquela árvore o avô, sendo a partir daquele momento o elo de ligação e de recordação entre os dois.
Colocou luzes e alguns enfeites natalícios. O resultado era brilhante. Estava belíssima. Afinal, tudo o que é feito com amor tem esse dom de perfeição…
É inevitável que cada vida seja um almanaque de estórias, que um dia se vai perder. Quantas histórias se (r)escrevem ao longo da vida? E, quanta vida se reinventa, na magnitude da sobrevivência…?
Apesar do passado trazer os mais múltiplos sabores de estados de vida, revolver e resolver o passado é, muitas vezes, a única forma de aperfeiçoar e alcançar o futuro. Mas estará este último comprometido?
Há quem desista todos os dias. Há, por outro lado, quem desperte para a vida todos os dias. Há quem apenas sobreviva mais um dia…
É sempre tudo uma questão de tempo.
Talvez um dia, aquele pinheiro sobreviva a Madalena. Quiçá?!
Carpe Diem.
Festas Felizes!!