28 outubro 2011

Antagonismo Puro


Antagonismo puro.
Imaginar que alguém vai gostar da montanha russa que representas enquanto ser humano. (E não é necessário que se seja especificamente desequilibrado. Seria deselegante até, considerá-lo. Uma autêntica brutalidade.)
Antagonismo puro.
Pensar que somos actores e actrizes das palavras que escrevemos ou das que enunciamos. Quando somos emissor e receptor em uníssono apenas com o olhar.
Antagonismo puro.
Suspirar pelos milagres que não acontecem, justamente porque a incredulidade é sempre mais digna e menos subliminar.
Antagonismo puro.
Dizer que somos parte do problema, quando tentamos ser solução pela via da força de vontade que se delineia pelo ângulo resolutivo da questão.
Antagonismo puro.
Procurar nos sonhos, uma feliz coincidência com a realidade.
Antagonismo puro.
Verificar que aquilo que tanto desejamos, um dia será a nossa verdade mais realista.
Antagonismo puro.
Perpetuar no saber os nossos enganos, que de tão vãos e tolos, nada acrescentam à saciedade do conhecimento.
Antagonismo puro.
Desleixar a existência pela vida que se esfuma todos os dias.
Antagonismo puro.
Acreditar que as amarguras são a magia negra de sentir e que de tão enraizadas, não podem ser contrariadas…
Antagonismo puro.
Pôr mãos à obra, sem obra e sem dignidade.
Antagonismo puro.
Esperar que os pontos finais deixem de existir e se enquadrem por defeito em reticências, que não trazem nada de novo.
Antagonismo puro.
Calcorrear o universo dos sonhos, descalço e com os pés no limiar do abismo.
Antagonismo puro.
A subserviência.
Antagonismo puro.
O rigor.
Antagonismo puro.
A displicência.
Antagonismo puro.
A sabedoria.
Antagonismo puro.
O relativismo.
Impuro antagonismo…

12 outubro 2011

Circo do Amanhã









E após sucessivas cambalhotas, o colapso continua iminente. A indiferença é vedada pela minuciosa atenção que se presta aos senhores que melhor promovem o espectáculo: os artistas do trapézio. Um deslize e escreve-se o ponto final. [Porque é que isto não pode acontecer com os ‘profissionais’ da política? Não seria mais razoável para eles que fazem outro tipo de acrobacias sem risco físico?]
Indiferença? Remeto-a toda para as actuações dos palhaços que cambaleiam e protelam a sessão de circo, absolutamente dispensáveis, não?!
Adiante, não me lembro de alguma vez os ter apreciado em prestações na arena. Sim. Provocam-me esse desconforto. O meu pai sempre opinou que os palhaços têm a profissão mais dura e mais difícil do mundo: fazer rir. E esta actividade lá terá que ser providenciada, independentemente do estado de espírito da criatura humana por trás das coloridas expressões e desleixadas vestes.
Ao que tudo indica, no palco, as mágoas ficam escondidas no xadrez escuro do oco enquadramento das luzes que acompanham a figura, o que me faz acreditar que o palco será um bom escape, da mesma forma que será um dos melhores refúgios pelo menos até se fechar o pano e eclodir a névoa negra, sem o som dos gritos mais efusivos ou dos aplausos sempre reconfortantes… Nos filmes seria, no limite, comparável a uma cena de despedida, em que sob a voz do extinto Barry White no mítico Let’s Just Kiss and Say Goodbye, (mal sabia o senhor que iria ficar reconhecido, entre outras, por uma canção de despedida) dois apaixonados se tentam desfazer do sentimento, com o afastamento dos corpos na distância. Não chega a ser uma despedida razoável com direito a lágrimas, tristeza, e sonoro aplicado… Só que a mim me parece que até à data somente a morte é a única invenção intocável… Por isso, para quê despedidas? Prefiro sempre os ‘Até breve!’
Não gosto de palhaços. Apesar de os considerar, não consigo a animosidade suficiente para declarar que lhes acho piada, porque estaria obviamente a mentir. Dou-me mais com as feras e suas exuberâncias clandestinas. Fascínios pelo desviante, pelo intocável. É por isso que prefiro a magia que me palpita no peito, quando os trapezistas fazem jogos de equilíbrio. Não se me detém a mira até à última pirueta, sustenho a respiração a cada movimento mais imprevisto… As pulsações disparam em catadupa. Que maravilha! Quanta beleza inquantificável e inqualificável transposta em corpos, em movimentos, em arte… Em respostas instantâneas…
Após a temporada, desmonta-se a tenda e a ‘ala’ é de marcha para uma qualquer terriola que se deixe invadir pela arte circense.
São artistas que estão sempre de partida, o que numa visão redutora, me deixa apreensiva. Porquê? Porque tudo na vida é cíclico e dura pouco tempo, esta última parte pode perceber-se melhor, quando arrumamos mentalmente o nosso passado e o remexemos por momentos.
Na vida, o mais próximo que temos é sempre a ilusão que nos conduz ao intransponível. Se não tivesse o ilusionismo como a arte de promover jogos de óptica, essencialmente, admitia que fosse uma actividade sujeita a ser instituída como parte integrante de qualquer currículo formativo. É que só mesmo a magia poderia inverter os sentimentos desconfortáveis a que as populações estão votadas. E in extremis acabar-se-ia com a tenebrosidade que o amanhã provoca.