26 outubro 2010

Convite à Taxa de Mortalidade

É interessante ouvir falar sobre a desafiante indiferença que este (e outros) país(es) tem para com as gerações que se preparam para o segurar ‘de bandeja’ nas mãos…
Dão-lhes precariedade ao mais alto nível e ao que parece é preciso ser-se licenciado, para viver na precariedade mórbida! (Até nisto as maiorias ganham… é o poder da democracia!)
Dizem por aí que um licenciado tem que ganhar no mínimo, o equivalente a dois ordenados mínimos nacionais, quando se conseguirem um ordenado mínimo nacional, é sinal de emprego.
Dizem por aí ainda, que estudar e formação superior, naturalmente qualificada é uma mais valia…
Provavelmente para ter a animosidade suficiente, ou vá, o estômago suficiente, para ocultar as suas reais qualificações… para conseguir um emprego.
Fala-se que a crise é uma oportunidade e o discurso repete-se em múltiplos serões de esclarecimento e de sensibilização, o que é certo é que, esta crise parece de facto ser uma oportunidade efectivamente para os jovens caírem na enorme bancarrota do endividamento.
Pois, se várias criaturas conseguem multiplicar-se em cargos e honorários chorudos, os caríssimos jovens têm ao dispor a miserável oferta de estágios não remunerados, que findos, tem uma porta aberta: a da rua.
Após várias tentativas frustradas de estágios e mais estágios, vá, “vai-se ganhando calo” em matérias como persistência, perseverança, úlceras nervosas agravadas, depressões crónicas, horas extra não remuneradas, resistência gástrica (ou não), suicídio?!, frustração agravada, e em última instância chega-se à triste e desmazelada demência.

Ora, grão a grão vai-se extorquindo até ao tutano estas criaturas, que quiseram investir na formação quer dos filhos, quer dos próprios!!! Resultado?! Não é muito difícil adivinhar. Acabam por se resignar e tomar como garantido um emprego qualquer, para assegurar aquilo com que se paga os melões…
Bem, para não dizerem que não sei daquilo que estou a falar, e como diria alguém da hasta pública ‘é só fazer as contas’, e uma vez que a matemática nunca me foi infiel…
Vejamos, se somos a geração dos 500 euros, ganhamos mais 25 euros que o salário mínimo nacional e menos 450 euros, equivalente a um ordenado de um licenciado. Sinceramente entre ganhar +25 euros e -450 euros, ora ‘que grande gaita’, como dizia o professor Gusmão de matemática de 5º ano, do ensino preparatório. (E e é que nem como nos filmes é, em que “qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência…”)
É o SAQUE! O ROUBO! A LADROAGEM! Dum imaculado rigor, surpreendente…
Portanto, São as diferenças… se bem que receber 500 euros em nada se compara a receber zero euros, estando na rua desempregado.
Numa ginástica orçamental, 500 euros tem que servir para pagar água, luz, telefone, gás, géneros alimentícios, prestação do carro, prestação da casa, escola dos filhos e despesas que tratam de aparecer desavindas do além?!… (cônjuge desempregado, as SCUTS, o IVA a subir… e vários etc’ s.)
(Acho que encontro um pervertido elo de comparação entre geração rasca e geração dos 500 euros… ou quiçá um círculo vicioso… apelidado: geração enrascada!)
E o pessoal ainda incentiva à natalidade… como se as pessoas não tivessem o mínimo de massa encefálica… (vá lá que essa ‘massa’ ainda vai existindo) para saber que se não têm oportunidade de garantir dignidade de vida às crianças, para que as vão ter? Para passarem necessidade? Para a lei não proteger devidamente as mulheres? E a que algibeira se vai recorrer?

Passemos aos idosos, que recebem por mais de 40 anos de trabalho uma desgraça franciscana… (e há quem fale em dignidade na velhice… mas até aí o ostracismo reina!)
Vamos ao sostras deste país que se vingam no rendimento mínimo de inserção social… enquanto o Zé Povinho aperta o cinto…
Vamos aos não menos sostras que acham que o fundo de desemprego vai durar para sempre… Colando-se a eles tipo lapas e não o trocando por menos!!!! Ah!!! Valentes!!!!!!!!!
Vamos ainda à questão, dos descontos para a Segurança Social que são religiosamente feitos mês a mês, e que cuja aplicação é duvidosa… Interrogo-me daqui a 30 anos se chegar à idade dela, vou viver de ar e vento e dizer: Porreiro, Pá!?

Portanto, aquilo que quero propor a um(a) senhor(a) secretário de estado, ou um(a) senhor(a) ministro(a) é tão simples quanto isto: reduza os seus rendimentos a 500 euros (essa farta quantia!) e governe-se um mês, nem que seja Fevereiro, para que a hecatombe não seja traumática. E depois explique como é possível viver com dignidade auferindo este magnânime montante!? (Parece-me que aqui a atitude vai ser de indiferença… quando todos apregoam o não à indiferença…) A propósito, existirá pior sentimento que a indiferença?

Quero um Alzheimer compulsivo… para esquecer o mundo onde vivo.
Ou então como diria o Lopes da “Sábado”, ensurdeçam-me com as vuvuzelas, para nunca mais ouvir falar de crise…
Porque se ela existe, claro está, não é para todos. É só para aqueles que sempre conheceram de perto os sintomas da dificuldade…

Este é o desafio que coloco à indiferença.
Porque não importa o género, se a igualdade é sempre tão discutível e a inclusão social não passa de mera ilusão. (Além de que sempre foi mais fácil e simples excluir do que incluir.)

Perdoem-me o vómito. Mas não compactuo com hipocrisia.
E por isso faço um religioso apelo à mortalidade:
“Ó Senhor dos Matosinhos
Ó Senhora da Boa Hora
Ensinai-nos os caminhos
P’ra sairmos daqui p’ra fora!”

Para onde?
Não sei.
Porque quem foi… Diz que nunca mais voltou…

(escrito em Julho 2010)

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