12 outubro 2011

Circo do Amanhã









E após sucessivas cambalhotas, o colapso continua iminente. A indiferença é vedada pela minuciosa atenção que se presta aos senhores que melhor promovem o espectáculo: os artistas do trapézio. Um deslize e escreve-se o ponto final. [Porque é que isto não pode acontecer com os ‘profissionais’ da política? Não seria mais razoável para eles que fazem outro tipo de acrobacias sem risco físico?]
Indiferença? Remeto-a toda para as actuações dos palhaços que cambaleiam e protelam a sessão de circo, absolutamente dispensáveis, não?!
Adiante, não me lembro de alguma vez os ter apreciado em prestações na arena. Sim. Provocam-me esse desconforto. O meu pai sempre opinou que os palhaços têm a profissão mais dura e mais difícil do mundo: fazer rir. E esta actividade lá terá que ser providenciada, independentemente do estado de espírito da criatura humana por trás das coloridas expressões e desleixadas vestes.
Ao que tudo indica, no palco, as mágoas ficam escondidas no xadrez escuro do oco enquadramento das luzes que acompanham a figura, o que me faz acreditar que o palco será um bom escape, da mesma forma que será um dos melhores refúgios pelo menos até se fechar o pano e eclodir a névoa negra, sem o som dos gritos mais efusivos ou dos aplausos sempre reconfortantes… Nos filmes seria, no limite, comparável a uma cena de despedida, em que sob a voz do extinto Barry White no mítico Let’s Just Kiss and Say Goodbye, (mal sabia o senhor que iria ficar reconhecido, entre outras, por uma canção de despedida) dois apaixonados se tentam desfazer do sentimento, com o afastamento dos corpos na distância. Não chega a ser uma despedida razoável com direito a lágrimas, tristeza, e sonoro aplicado… Só que a mim me parece que até à data somente a morte é a única invenção intocável… Por isso, para quê despedidas? Prefiro sempre os ‘Até breve!’
Não gosto de palhaços. Apesar de os considerar, não consigo a animosidade suficiente para declarar que lhes acho piada, porque estaria obviamente a mentir. Dou-me mais com as feras e suas exuberâncias clandestinas. Fascínios pelo desviante, pelo intocável. É por isso que prefiro a magia que me palpita no peito, quando os trapezistas fazem jogos de equilíbrio. Não se me detém a mira até à última pirueta, sustenho a respiração a cada movimento mais imprevisto… As pulsações disparam em catadupa. Que maravilha! Quanta beleza inquantificável e inqualificável transposta em corpos, em movimentos, em arte… Em respostas instantâneas…
Após a temporada, desmonta-se a tenda e a ‘ala’ é de marcha para uma qualquer terriola que se deixe invadir pela arte circense.
São artistas que estão sempre de partida, o que numa visão redutora, me deixa apreensiva. Porquê? Porque tudo na vida é cíclico e dura pouco tempo, esta última parte pode perceber-se melhor, quando arrumamos mentalmente o nosso passado e o remexemos por momentos.
Na vida, o mais próximo que temos é sempre a ilusão que nos conduz ao intransponível. Se não tivesse o ilusionismo como a arte de promover jogos de óptica, essencialmente, admitia que fosse uma actividade sujeita a ser instituída como parte integrante de qualquer currículo formativo. É que só mesmo a magia poderia inverter os sentimentos desconfortáveis a que as populações estão votadas. E in extremis acabar-se-ia com a tenebrosidade que o amanhã provoca.

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