12 setembro 2013

Conto - Silêncios Interrompidos


Descrição: 
Pegue-se numa árvore, nas suas ramificações, nas suas rupturas... Resultado? Um cruzamento de vidas cujos silêncios vão sendo automaticamente interrompidos!

De costas voltadas, vejo Clarisse desaparecer. Silhueta curva, semblante negro recortado. Um rosto outrora destemido, agora distorcido da juventude que há muito ficou para trás.
Traz uma impertinente tristeza plasmada nas rugas que lhe marcam o tempo. Muito tempo. Uma vida de trabalho caseiro, um suporte incondicional dos filhos que nunca fugiram de perto da sua saia ou, saias. (Se se subentender que antigamente era mais do que uma, entre saiote, saia, forro, bata ou avental…) E, nos intervalos da lida de casa, sempre teve tempo para atender aos pedidos de emergência que estes não conseguiam dar resposta. Deu sempre uma mão, ou até mesmo as duas. Nunca se recusou à faina, demonstrando sempre o máximo sentido de responsabilidade e uma vontade muito genuína, altruísta, em querer somente ajudar.
Vale-se da valentia inusitada da figura Mulher. Não há género que compense as vidas que trazem ao mundo!
Carregou no colo dois filhos, Leonor e Simão. Posteriormente, os filhos destes, Carlos e Miguel, respectivamente. Diz que “há-de morrer” sem ver uma nova geração, mas mantém a vaga esperança que um dia os irá embalar junto ao peito, porque no coração já se encontram. “Quem espera sempre alcança.” E é nessa forjada persistência, que surge sempre apaziguadora e paciente perante as contrariedades da sua existência.
 Não se cansa facilmente, apesar das forças e a saúde começarem a não corresponder. As pernas já não a transportam, arrastam-na. Assim como a vida lhe arrastou os cabelos que se cobriram de branco.
Leva os chinelos, as meias de algodão por cima da meia-calça canelada, a saia e o avental. Cobre-se do tempo com um agasalho negro, quando tudo o resto se esbate em tonalidades que gradualmente vão dar à escuridão da noite – o preto ou aos dias cinzentos, que em xadrez, sempre se manifestam inanimados.
Falta-lhe luz. Falta-lhe o brio. Faltam-lhe dentes, que a impedem de sorrir. Simplesmente, a idade já não lhe pesa tanto. Encarou-a sempre com sentido de missão. Uma missão que já não a deixa apressar os passos, dada a afasia constante do tempo que corre… Por enquanto, o relógio tem sido permissivo.
Perdeu o homem da sua vida, ou melhor, com quem partilhou a vida. Nunca se chega a perceber o que representam tantos anos de casamento, quando se vão somando décadas (decadentes)?! O segredo nunca revelou.
O marido era robusto, um pouco sisudo, quando se encolerizava, cuspia a prótese… Ficando ainda mais desprovido de argumentos. Mas para ela era o fascínio de amor que se lhe lia nos olhos. Terno e apaixonado, Clarisse era a ‘menina’ dos seus olhos, sempre foi, mesmo quando a visão o começou a atraiçoar. A idade tem destas emboscadas, imprevisíveis esperas, entre partidas e chegadas. E enquanto se vê partir, poder-se-á ficar apenas com a saudade das vozes e das gargalhadas sempre familiares. O dia mais negro será aquele em que a memória esquecer de replicar os pormenores de vida vivida em comum. Será esse o ‘Adeus’ mais profundo.
Vivia na ‘margem sul’ da Rua Direita, quem desce, da serra para o mar. Uma casa construída a preceito, com vista para o mar.
De risada fácil. A sua passagem era sempre majestosa. Nunca ninguém ousou ficar-lhe indiferente. Os cumprimentos de circunstância tinham outra cor. Representavam muito mais do que um mero gesto de cidadania. “Se” mais gente cultivasse o sorriso, a gentileza, a cortesia, certamente que o mundo seria um sítio menos desumano. Porém, a conjunção subordinativa condicional assume-se cada vez mais como uma dependência de vocabulário e defesa do incontrolável, do que um fim último, derradeiro.
Uma dualidade se avista. Se por um lado há gente totalmente incapaz de fazer girar o mundo, por outro, há gente capaz de tudo, e é esta miscigenação de ‘gentes’, que faz com que o sistema se descontrole, se desumanize, se descredibilize.
Um dia, Leonor, sempre muito próxima da matriarca e martirizada pelos ‘diabinhos invisíveis’, como alegremente se dirigia aos diabetes e colesterol de que padecia, proporcionou-lhe um momento único, uma espécie de incumbência, que só podia ser confiada a alguém por quem se nutre um tão incondicional amor, um olhar atento sobre os que eram seus: o marido Francisco, o neto Carlos, a nora-neta Lídia e a bisneta que vinha a caminho, a pequena Luísa. Enternecida, com a boa-nova, não deixou a melancolia falar mais alto. No seu íntimo, percebera que Leonor estava a despedir-se e a entregar-lhe as vidas, que como a sua, lhe começavam a escapar. O único fim incapaz de ser adiado estava próximo. As doenças silenciosas não passam duma crueldade a velocidade cruzeiro…
- Não estou a afastar-te ao mandar-te embora. Estou a libertar-me! Dissera-lhe Leonor, quando a medicação apenas aumentava a vulnerabilidade de quem apenas respirava e se movia lentamente.
A batalha de emoções de Clarisse voltara. Mais um atentado à sua capacidade de resistência se avistava, da pior forma. Até podiam dizer-lhe que o futuro estaria escrito nas cartas… Faltaria saber se nas ‘escritas’, nas de ‘jogar’ ou nas que ainda não haviam sido nem escritas, nem jogadas. Ser-se visionário nestas matérias será sempre discutível. Há questões que com o tempo e por serem repetidamente equacionadas, se perdem numa resposta que de tão corriqueira imprevisibilidade, já não se suporta verbalizar. Era este o convívio generalizado daquela velha alma.
Há uma semana, Clarisse tivera um sonho. Não lhe dera grande importância, pois de todos eles se acorda... Há quem diga que um sonho que não se interpreta é como uma carta que não se lê… As premonições vêm sempre das mais perversas maneiras. Porém, nem sempre a intuição as acompanham ou na dúvida, as querem acompanhar. A imprevisibilidade de acontecerem, dotam-nas de uma incerta animosidade…
Viver é das únicas coisas que não podem ser deixadas para depois. E quando alguém se depara com um fio de azeite de vida, escorrem as dúvidas…
- Estou a perder-me aos poucos. Dissera Leonor à mãe, na tentativa de ser mais directa. Não conseguia falar do ‘assunto’ abertamente. A fraqueza corroía-lhe os membros. Não sabia se estaria por meses, dias ou até mesmo horas, a verdade é que a presença da Mãe fortalecia-a em todos os sentidos. Tanto assim era, que lhe dissera:
- Não temas arriscar. Quando um barco avança, ele equilibra-se.
Toda a vida de Clarisse fora marejada de lágrimas sentidas, um barco ao sabor do vento, numa rosa-dos-ventos, atroz e agreste. De uma coisa estava certa, a vida tornara-a modestamente resistente a qualquer embate. Este seria apenas mais um.
Do alto da sabedoria da idade, aquiesceu a cólera. A disciplina autonomizava-se nela. A sapiência da idade traz essa acalmia, muito embora, a revolta interna teimasse em resistir a lidar com mais uma perda.
A vida não passa de uma miríade de silêncios interrompidos... De uma (de)gradação degenerativa extremamente complexa.
O tempo agudiza as vidas de espera ou as esperas de vida… O que quer dizer que seja dum lado ou doutro, não é fácil vestir a pele.
- Sinto-me um nada no vazio de uma bolha…
Concluía Clarisse, impotente contra a adversidade. Os ciclos são renováveis, mas falíveis. Tudo se transforma. Nada é estático, mas a dúvida do timing permanecerá sempre como uma imprevista interrogação.
Na verdade, o tempo vai passando como o ar entre os dedos, mas parece que não escolhe Clarisse. Sem eufemismos, será que os velhos ainda têm sonhos?
- Embala-me os sonhos. Embala-me a vida até que ela deixe de me acompanhar. Já não me faz falta. Aliás, aquilo que me faz falta já não me pertence, não consigo tocar e, as forças que acalento já não têm a mesma intensidade. Deve ser essa a velhice, mais ingrata. Tenho aguentado tudo de forma estoica. Já não concebo o jargão ‘depressão’, apenas uma tristeza visceral que se vai renovando. Assim, como “o amor é um pássaro que gosta de ser livre. Ele precisa de muito espaço para voar…” (OSHO) E eu já não tenho tempo, nem espaço. Entrei na bolha do meu vazio, da minha solidão, que a cada dia que passa é mais asfixiante, mais austera, mais triste.
Clarisse estrebuchava, numa manifestação abrupta de cólera contra a sua mais constante condição ora de queda, ora de ascensão. Um jeito de vida que foi construindo, ou simplesmente, absorvendo… Resfolgando espaçadamente, a matriarca apropriava-se das palavras sábias de Robert Lynnd, “no que se diferenciam os pássaros do ser humano é na sua capacidade de construir, mas deixando a paisagem como estava.” E de seres humanos percebia ela bem, numa psicologia adquirida na escola da vida.
- Se há deuses, coisas, sentimentos, para termos fé… andam todos muito desfasados das nossas preces. Sinto-me uma indigente que reclama: paz! No limite, sei que até é possível sobreviver a todos os contratempos desta vida, simplesmente a sobrevivência não é propriamente sinónimo de vida. E ser ou não ser o sustentáculo de várias vidas começa a ser um exercício penoso. Aliás, apesar de ir ao sabor do vento… A minha realidade é inegavelmente de contínua anulação pessoal, não que a faça contrariada, mas assim será até as coisas estabilizarem, outra vez, até que recomece um novo ciclo. A fé no dia em que as coisas vão melhorar tem que ser contínua. A distância desse dia é sempre uma incógnita, uma ilusão que se vai replicando nas expressões “um dia de cada vez”, “uma hora de cada vez”, “uma vida de cada vez…” E nesse intervalo, a solidão vai sendo a companhia que se reconhece como a mais presente, a mais próxima, num incomensurável silêncio interno interrompido. O importante é que não haja desvios nas intenções do coração…
E o seu instinto era o de uma força da natureza, onde a sua inspiração tinha uma fonte: a vida das naturezas que pousavam suavemente nas suas mãos e que segurava com a vida.
A árvore da vida vê passar muitas outras histórias, que vão repousando na sua sombra. A dimensão que atinge, ignora quem lá está e porquê… O seu fim último é abrigar, por isso é que à Natureza chamam Mãe.
- Temos tanto amor para dar. Há tanta gente para o receber, não nos envergonhemos de o sentir! Há vidas que não se cruzam com a nossa por acaso. Constatava.
- É por isso que a idade tem a clareza e a resposta célere. Já não há mais dimensões para medir palavras. Há que genuinamente proferi-las. Porque se há os que cantam o fado, há os que o vivem diariamente.
A sua idade cumpria o desígnio da sabedoria e tranquilidade tão consequentes. Os anos empacotam muita coisa… Não apenas as materiais… Fartava-se de repetir.
- Deus me dê muito e eu que me satisfaça com pouco…
Era essa característica que a distinguia dos outros que vivem da idade que passou.
Clarisse acertara o relógio pelo mar. As manhãs serão perenes de reencontros, de cumprimentos, de braços estendidos, de breves passagens, de afinidades que crescem dos contactos de impessoalidade. O tempo define quem fica, quem parte…
Voltam-se as costas e de novo surge a sorrir. E um sorriso devolvido não tem preço. A alcofa vinha embrulhada de esperança, com Luísa. O dia era de encantamento com aquela pequena presença, que tanto a preenchia. A visita vinha acompanhada de papoilas coloridas que tanto a alegraram.
O almoço foi prolongado e recheado de histórias e recordações. Não se saiu da mesa e já escurecia… Lá fora, chovia. Lá dentro também…
Pela janela, esquecida aberta entrava uma brisa de terra levemente molhada que exalava o odor quente que as suaves gotas de chuva tentaram esfriar… Que mistura genuína de poderes ancestrais, abafada pelo calor dum tempo que não se define, apenas se transcreve instante a instante.
E felicidade é isto… A percepção exacta do que os sentidos alcançam e que tantas vezes se desperdiça pelo descuido desatento de detalhes únicos…
Momentos de evidente captura, alocados na viagem que fazemos, sempre que nos prestamos a sentir o chão que pisamos e o ar que respiramos.
Ao passo que trespassava momentaneamente para o ‘outro mundo’, aquele desacordado, desliga-se o cérebro. E, as vidas que deixaram de existir, depressa não passarão de ténues sombras passageiras. “A vida é uma dança na corda oscilante do inesperado”, alguém disse, provavelmente intimidado pela presença ininterrupta de algo sempre em falta. Somos seres penitentes de uma inesgotável ausência.
Esta busca e confissão de sensações. Esta vertigem que embala os sentidos… Leva a pensar que a vida fora daqui talvez tenha os seus desencantos. Mas estes efémeros momentos de puro feitiço e abstracção são cada vez mais imprescindíveis.
Junto a Carlos, Lídia e Luísa, a comoção escorria-lhe pelo rosto. A felicidade tem os seus momentos. Quanto à durabilidade destes, a que quisermos…
Sempre atento e descontraído, Carlos pergunta-lhe:
- Estás a chorar porquê? Quem foi que te bateu?
- A vida. Retorquiu.
- Mas a vida não bate em ninguém…
- Isso é o que tu pensas! Contestara.
Carlos viera ao seu encontro sem palavras... E, as palavras tornam-se desnecessárias quando a intimidade se estabelece.
Foi o grito da alma que os cruzou. Foram duas formas de vida que se cruzaram... A distância será sempre a mesma que os separa... Separou... Também, foi o mesmo silêncio que os aproximou...
Na unívoca simplicidade viverão à parte. Sós. Mas trar-se-ão um no outro ou um ao outro pela eternidade...
Carlos andou desligado da família, porque não entendia muito bem o conceito até ter uma. Pensava que eram elementos que estariam sempre presentes, até a vida lhe ter ensinado que os imprevistos são sempre a parte mais previsível do sistema!
Nem sempre as vidas se cruzam no tempo exacto de serem partilhadas, mas quando o são, que o sejam na plenitude.
Do alpendre, já só, mirava o horizonte que se mantinha longínquo, o anoitecer ia enterrando mais um longo dia…
Todos os dias mais um definha para que no dia seguinte possa renascer de novo. É assim que o tempo se vai consumindo… até porque no fundo, tudo é definitivo até mudar!
E o tempo faz acontecer a vida. 
De vida apagada não vivemos.
Milésimas de segundo mudam vidas.
Vidas passam para segundo plano.
E tudo tem o seu tempo de acontecer.
Se a inevitabilidade o predisser…

FIM

30 agosto 2013

Canção Inacabada...

Peço para o mar me levar
deixo o vento partir...
As ondas vão e vêm... 
Como se fossem fugir...



As cores celestiais...
Um coral, o paraíso...
Toda esta luz...
É tudo o que eu preciso...

[ ... ]


(by Elda)

30 julho 2013

[Frágil]Idade...



8 anos…
E é aquela [(frágil)idade]… em que a finitude se acelera… 
A dúvida entala a esperança de vida que não sabemos se conseguirá replicar-se vezes e vezes sem conta...
A cada dia que passa as relações e ligações são mais fortes…
Será essa a percepção da idade?
Seremos eternamente insatisfeitos, mas seremos sempre a nossa base mais sólida neste mundo, tudo o resto serão peças que vamos desconstruindo e submetendo ao nosso cosmos…

22 julho 2013

Dia 28 completamos 8 anos de vida!!



Das palavras aos números!!

Gráfico 1: Julho 2006 – Julho 2013 (De Julho de 2005 a Julho de 2006 ausência de contador de visitas!)
Gráfico 2: Visualizações de páginas por país (Via Google)
Gráfico 3: Visualizações de páginas por país (Contador de visitas!)





12 julho 2013

Viagens no tempo dos outros!

Há sempre um prazo para acontecer vida. Mas como se pode sorrir numa circunstância tão inanimada? Laura imaginara vida onde ela já não existia há muito tempo… Estava por um fio… Sentia-se insuportável por não conseguir discernir mais os seus actos, mesmo os mais elementares.

“Neste testamento de cegos já não há qualquer luz que se possa acender. Nenhuma réstia de esperança, apenas uma vontade louca, desenfreada de morrer e nascer outra vez. E não é isso que fazemos tantas vezes e ciclicamente? Desta vez não sei deixar-me morrer. É como se me tivesse dispersado nas fugas criativas”, cismava.

E em meditação, achava que o céu era a alcofa das almas, pela beleza do amontoado de nuvens doces que se insurgiam num céu cada vez mais cinzento, que se recusava a chorar e a libertar-se. A sua imensidão faz crer que todas as almas sejam, noutra esfera, envolvidas no algodão doce feito nuvem. As viagens têm o dom da abstracção e da multiplicidade de planos.

Observando, os seres que com ela estavam na camioneta, assistiu à graça de uma miúda de quatro anos que não queria “ir para o céu”, ao passo que o autocarro subia a encosta, rumo a um miradouro, a avó perguntara-lhe se não queria tocar nas nuvens, no céu… Ao que ela prontamente respondeu que não, porque não queria morrer. No calor da idade tinha o pré-conceito de que “ir para o céu” era morrer.

Um outro comentário a fez acordar da letargia de existir. Um rapaz do grupo, Jaime, que “fazia retratos”, deliciava-se a recolher expressões de vida nas excursões que sempre fazia questão de acompanhar. Gervaz, um septuagenário, ao vê-lo aproximar-se disse-lhe de imediato, “tire-me um retrato para a campa. Não tenho nenhuma”. Não se sabia se estaria a desejar a morte ou à espera dela, foi um pedido vulnerável de rendição… Jaime foi incapaz de negar-lhe o retrato, nunca pensou que um disparo representasse eternidade, num outro nível, mais mórbido.

No canto, Laura sentara-se em silêncio profundo. Tentando absorver aquelas duas realidades tão imediatas, tão seguras… Duas franjas sensíveis de vida. Uma com todos os sonhos do mundo, o outro sem um único. Mas não ficava por aí, cruzou-se com um diálogo ao telefone que dava conta de uma senhora que teve uma expressão grotesca: “E não é que ‘fulana’ anda paredes meias com ‘fulano’?” – Nunca ouvira tal coisa, mas pareceu-lhe hilariante a descrição.

Talvez seja esse o toque das viagens… Mais do que os sítios que se avistam, as pessoas que os rodeiam. Toca-se assim no infinito, quebrando-se com tudo o que anteriormente fora adquirido. Por momentos, Laura abstraíra-se da sua ignóbil realidade. Sempre soubera que enquanto andasse entretida, tudo o resto passaria ao lado. No limite, sabia que novos horizontes seriam descobertos, através da permanente escuta dos sons captados dentro da realidade tão plural em que vivia.

17 junho 2013

Intimidades...
















Veio ao meu encontro sem palavras... 
E, as palavras tornam-se desnecessárias quando a intimidade se estabelece.
Foi o grito da alma que nos cruzou. 
Foram duas formas de vida que se cruzaram...
A distância será sempre a mesma que nos separa... Separou... 
Também, foi o mesmo silêncio que nos aproximou...
Na unívoca simplicidade viveremos à parte. Sós.
Mas trouxemo-nos um no outro ou um ao outro... pela eternidade...

07 maio 2013

Desencantos


E este cheiro a terra levemente molhada que exala o odor quente que as suaves gotas de chuva tentaram esfriar… Que mistura genuína de poderes ancestrais, abafada pelo calor dum tempo que não se define, apenas se transcreve passo a passo.

E felicidade é isto… A percepção exacta do que os nossos sentidos alcançam e que tantas vezes se desperdiça pelo descuido desatento de detalhes únicos…

Momentos de evidente captura, alocados na viagem que fazemos, sempre que nos prestamos a sentir o chão que pisamos e o ar que respiramos.

Ao passo que trespassava para o ‘outro mundo’, aquele desacordado, desliga-se o cérebro. E, as vidas que deixaram de existir, depressa não passarão de ténues sombras passageiras. “A vida é uma dança na corda oscilante do inesperado”, alguém disse, provavelmente intimidado pela presença permanente daquilo que sempre falta. Somos seres penitentes de uma inesgotável ausência.

Esta busca e confissão de sensações. Esta vertigem que embala os sentidos… Leva a pensar que a vida fora daqui talvez tenha os seus desencantos.

26 abril 2013

Limbo






























É a impotência da vontade que me estrangula a voz. Uma voz que de silenciada, ecoa apenas num corpo em surdina.
Que coisa estranha é essa esganada no meu peito? É mesmo esse pedaço de som que teima em não querer sair. Tem vontade própria e isso respeito.

Vivemos no limbo de uma única certeza incerta – a morte. Mas paralisados andamos há muito e encobertos por uma sombra de pesar penoso que nos impede de mover montanhas e alcançar vidas e sonhos, criando-os.

Intempestivo, o tempo é o mais severo. Passa com uma rapidez inofensiva. E indefeso, intromete-se com vulgaridade, num relógio imparável, incontrolável…

26 março 2013

"entre o sono e o sonho" - Tomo I


Às vezes perco-me nas brisas que me alcançam o rosto, marejadas pela proximidade de um oceano único de candura agreste, como só ele…

Acho que foi encantamento, o sentimento que envolveu esta longa espera que agora se consubstanciou. É menos que uma gota de oceano, porém é uma semente que ficará plantada para sempre.

Aquilo que avisto é insignificante. Mas o bastante, para flutuar no mundo incrível das bolhas de sabão e do algodão doce dos sonhos, enquanto o leito me aquece e adormeço!

XXX

E foi na Antologia de Poesia Contemporânea "Entre o Sono e o Sonho" Tomo I, de II (vide imagem), editado pela Chiado Editora, que me estreei no mundo da literatura, entre mais de mil poetas, a 16 de Março de 2013. Com o poema "Na Noite..." se procurarem pelo Blog ele está algures por aqui! 

Foi um Mês salpicado de momentos felizes, apesar de tudo!


26 fevereiro 2013

(Con)sentimento!





















Que vida esta… Em que se segura a vida com uma mão e se larga na outra. Existirá maior duplicidade na vida que as nossas manifestações de liberdade?
Parece que cada página da vida foi chorada, enxugada pelo amor dos outros, que não o nosso próprio. Que engenhoso bem querer.
A gente não manda na vontade dos outros… Alavancamos o que nos é possível.
E como se desacorrenta esse desassossego de sombras em estado de graça?
Apenas em murmúrios sumidos que se calam aos ouvidos, contando histórias com letras de vidas que foram crescendo dentro de nós. Pedaço de corpo. Pedaço de alma. Fragmentos de vida que escrevemos na memória de quem a consente.

23 janeiro 2013

Paredes de Pedra

















E guardamos para viver estímulos de vida, que não voltam personificados em instantes mágicos.
Foram e serão sempre únicos.
Todos os dias peno pelos meus sonhos, mas agradeço o poder de conservá-los. 
Não ter sonhos é um estado de alma enlutado.
Passo horas neste relambório de pensamentos que desconstroem realidades longínquas… Adiadas…
Ser-nos-á ainda permitida essa faculdade de imaginar essa indefinição tão consequente, por quanto tempo?
Alegre, comanda a vida que trouxe Gedeão nas palavras. Cantou a mesma prosa que ajustou idades.
Pedras que duram frágeis na vida com filosofias afiadas...

27 dezembro 2012

Inacabado
























Nem sempre temos respostas para tudo, também nem sempre queremos ter, por não as aceitarmos como nossas. A lucidez caminha assim espaçada, num ensaio que mobiliza os segundos e desintegra as palavras. Assim é o pensamento, sempre imperfeito, caustico, casuístico.

E o que queremos dizer é sempre tão limitado que a nossa própria liberdade de expressão é de imediato posta em causa, intrinsecamente. Auto-intimidamo-nos, mutilando a vontade.

Vivemos sem verdades declaradas, porque nos anulamos de proferir o que o bom senso nos impede. Construímos muros em vez de pontes. Articulamos palavras, em vez de as entoar.

Concorremos por qualquer manifestação de imortalidade, porque os sonhos ainda estão bem vivos e seria de mau tom não os coabitar, momentaneamente que fosse…

E as dúvidas resvalam incolores. Aliás, são a única transparência directa eficaz controlável.

Imoderação nas palavras, nas mais ou nas menos apaixonadas. Exaltação do amor puro, aquele que acontece pelo perfume de rosa branco pérola que num arco-íris minimalista poderá fugir para o encarnado. Que veludo sensível em infinita fragilidade sobreposta.

Que mundo sublime o dos pensamentos que compõem histórias. Existimos, construindo um somatório de capítulos de tamanho alternado e, invariavelmente recolhemo-nos num final inacabado.

Presente Feliz!

















O Zezinho cresceu com o encantamento da presença do Pai Natal e, chegada a proximidade da época festiva, e vendo-se os seus pais na iminência de não conseguir corresponder com os tradicionais desejos embrulhados pela idade, serenamente chamaram-no e tentaram explicar-lhe quem verdadeiramente era o ‘Pai Natal’ que, ano após ano, acertava nos presentes que tanto desejava receber.

Para aqueles e outros pais, o dinheiro era pouco na carteira e os desejos dos miúdos são cada vez mais grotescos. O valor que dão a um qualquer objecto é instantâneo e o que é certo, é que mais dia, menos dia resultará obsoleto e/ou disfuncional.

Já lá vai o tempo em que se podia comprar uma oferta a custo controlado ou até mesmo por uma ‘bagatela’… Lembro-me do pai que dizia que recebia de presente de natal, uma laranja na meia que deixava junto à lareira da cozinha. Hoje, é o avô que não percebe nada de nanotecnologia, apenas de valores reais como a importância dos sentimentos, dos pequenos gestos, dos verdadeiros presentes. Mesmo assim, os petizes lá tentam com toneladas de paciência mostrar-lhes a operacionalidade desses objectos, que acabaram por vir a participar determinantemente no dia-a-dia e se assumem cada vez mais capazes de promover a individualidade e, por sua vez, a solidão.

Diz-se que os avós são pais duas vezes. Talvez estejam em vantagem na hora de transmitir a sabedoria que vão sustentando ao longo da vida e que é muito pouco escutada pelas novas gerações. Todas as vidas se completam num passado que vira sempre um presente. Quantos presentes seremos capazes de oferecer a alguém, apenas com um sorriso? E quantos presentes conseguiremos nós oferecer-nos, justamente por sorrirmos? Que a vida seja sempre um surpreendente presente por desembrulhar…

O Zezinho do alto dos seus nove anos manteve-se calado, entristecido. Era o quebrar do mito mais bonito que acalentara durante anos. Os três abraçaram-se. Após o longo abraço souberam que o amor que nutriam entre eles era o maior e melhor presente que aquele e os próximos Natais podiam proporcionar. Tinham-se uns aos outros para criar um presente feliz.

Entre pausas, vagueavam silêncios incontroláveis que acolhiam as marcas de Inverno que trazem recordações de menino, ao esmiuçar as memórias calorosas trazidas à luz do dia. É o imaginário que recria a beleza do Natal e são as crianças que a (des)constroem.

Naquele abraço costumeiro expressara-se o que as palavras são incapazes de transmitir. A alma gritava incessantemente que o melhor do Natal pode ser reproduzido na infância trémula de estórias do ‘faz de conta’, onde tudo é possível, até mesmo o mítico senhor das barbas brancas!


18 dezembro 2012

Marcas de Inverno...



























Com os Melhores Desejos de Festas Felizes!!!
Um abraço solidário de Natal com muita Luz e muita Energia Positiva para 2013!!!

Elda Lopes Ferreira

17 novembro 2012

Outono de perto...




























O Outono vai caindo das árvores formando um arco-íris de folhas caídas no chão.
O mar vocifera. Escorre-lhe a ira dos pecados dos outros. Vómitos que arremessam espuma de raiva, quiçá.
Qualquer natureza se indigna quando lhe tiram o chão, quando lhe cortam os pedaços de vida.
O sol já não vai voltar a aparecer hoje. Talvez nem amanhã.
Escurece um dia que foi cinzento e brando. Arrefecido de emoções. Pouco lhe resta de vida, apenas umas horas para acabar.
Até os dias sabem quando morrem. Fica a impaciência de os viver, de os sofrer, de os agarrar…
Afastam-se as nuvens para deixar que o espectáculo comece sob o brilho que vem do quarto da lua.
Boa Noite! =)

19 outubro 2012

Ainda

Ainda.

Quem escreve assim não é ban(d)ido. Ainda.

E quando as células de oposição eclodirem, resistirão firmes as palavras cujo registo entrou no sistema. É um dom ser-se escutado sem voz e ultrapassar os anos, os séculos… E é preciso ter um talento tão audível, quanto subjugado para que a valorização seja mais atroz. É o balanço mais próximo do desequilíbrio.

Sem um caminho particular, assume-se a paranóia desatenta do desrespeito. O que importa? Nada em absoluto, dada a relatividade expressa da crítica déspota, quando o consegue ser. O ambiente hostil e moribundo atira a especialidade para fazedores de palavras que desdizem os significados, por os fragmentos monossilábicos terem deixado de significar.

Estranha-se de tanto se entranhar. Encena-se de tanto se imitar. Premeia-se a ilegitimidade inoperante das vozes que em burburinho contracenam com a vaidade do poderio, que, ensombrado se inocula, se plasma, corrosivamente.

Descaem os pára-quedas que ultimam o salto, encaminhara-se mais uma vida de filosofia, num desaguar de filosofia de vida, cujo desalinho inquieto de teorias complexas a inundaram.

Interrompe-se o medo, que é interposto entre a adrenalina de um gemido que está prestes a emergir, densamente descaracterizado. E com que direito ele se esconde? E com que incerteza se atinge?

E que choque é positivo à idiossincrasia doentia de um corpo que se verte, dormente, numa queda falaz? Prostra-se um núcleo que se areja sem vontade de viver. Peças dissociadas que nunca foram levadas a cena, porque no mundo dos sonhos, contam-se os que se perdem, os que nunca sobem ao palco da execução e os que sobrevivem às adversidades e às desistências.

Chamem lunatismo. Chamem falta de ortodoxia. Mas tudo o que não existe, persiste imaterialmente alojado num inconsciente tão visionário quanto as esferas que nos fazem mover. Ainda.