05 dezembro 2009

Tempo de ciúmes... II


Redigi as mais belas palavras naquele papel sinuoso…
Entre altos e baixos deixei o negro da tinta perpetuar a fome dos dias apaixonados…
Reuni os sentimentos mais densos, desenhando letra a letra o amor que me desvirtuava os dias.
O brilho no olhar era permanente como a tinta rabiscada naquelas peculiares folhas…
Abri os braços e deixei-te entrar no meu peito…
E esse foi o meu único despeito.
O ciúme vacilava a cada imagem que não querias entender…
Estendia-se o intento da imprecisão de sentir.
Curavam-se feridas tamanhas…
Ou vivia-se nessa ilusão…
Concorríamos com os males dissidentes…
Mas que se uniam no fim…
Confiamos promessas peremptórias…
Mas é um vazio de nada o que agora temos entre os dedos…
Já não te confio a voz.
Perdi a força de te avistar…
Não mais iremos conquistar a paz de outrora…
As noites… que se rendiam à aurora…
Acordávamos com sons estrépitos que não consigo decifrar…
Estar contigo…
Fazia-me perder o controlo sobre o tempo…
O nosso amor… era arrebatador e cada fragmento, sinónimo de vida…
Perdemos a confiança um no outro.
Perdeu-se tudo…
De tanto que se perdeu, destruiu-se simultaneamente tudo…
Hoje nasce um tempo presente…
O ontem esvaiu-se na escuridão de uma noite densa, pesada e sem luar…
Ontem e todos os ‘ontens’ de outrora…
O que ficou de mim…?
Perscruto nos espelhos da alma…
São imagens turvas, distantes e quase perdidas…
É como se encontrasse um emaranhado de memórias desconexas que se assemelham à aleatoriedade de um baralho de cartas não viciado…
A cada carta, uma imagem diferente, um pensamento desordenado…
E, à medida que o tempo se forma enquanto passado…
Mais dúvidas me socorrem relativamente às prioridades que de verdade o são.
Nessa teia displicente tudo parece ao acaso e as minhas intuições caem por terra.
Sem respostas. Cem respostas me (des)encontram…
E tudo continua exactamente na mesma…
Devemos fazer cedências… sem esquecer que foram feitas.
Talvez a paz que procure esteja no silêncio que me recuso a atravessar.
Faço pausas infrutíferas.
E, unicamente consigo elevar o impasse e hesitar nas horas de decisão.
Cobro as minhas inseguranças com impulsos que se revelam correctos…
Se não for mais nada… É o alento a descoberto…
Cubro-me por entre mantos de esperança,
Escondo-me na vaga de angústia que me acolhe, vivendo um tempo asfixiada na dor de respirar…
Queimam-se velas que trazem o perfume de fragrâncias debeladas…
Arde um fogo que me consome pouco a pouco as já parcas forças…
E esfuma-se a débil lembrança de ti…
Restam cinzas de ciúme.
Mágoas que me deixam imune aos corredores de chamas que percorri.
Fica uma névoa a sobrevoar o passado…
Grotescos raios de sol oriundos do presente resplendecem, anulando a angústia encoberta.
Pouco a pouco…
Redobro esperanças…
E… Sacudo esse tempo que tanto me acorrentou…
É assim que coabito com as mais insistentes e teimosas forças que a natureza me deu.
As raízes desta alma estão cada vez mais integradas num ser que se recusa a ceder às selvagens quedas de água…
Acampo no dorso da imprevisibilidade dum tempo que se vê repartido em estádios desnivelados de vida…
E a cada sopro marco encontro com todas as esperanças que julgava esquecidas nesta fraca composição de mim…
Reinvento paisagens proibidas, miragens desinibidas e viajo indiscretamente pelo teu inconsciente abrigo…
Este estado de endeusamento colhe a febre das férteis emoções…
Às quais se me assiste a dúvida apoteótica que tanto me sacode os sentidos…
Porque desaparece o tempo?
Suspeito da sua inveja pela sua constante solidão.
Puro descrédito enciumado.
Quereremos nós espantar o tempo ou estará ele continuamente a espantar-nos a nós?
No meu universo, as interrogações vão beber à fúria das ondas de mar de Inverno…
Onde as esperanças concorrem a par com as (des)venturas dos temporais…
O momento a que me obrigo é de um irreversível Carpe Diem…
Recuso-me a confiar num amanhã qualquer que apareça escoltado por uma sombra longínqua de incerteza…
E socorro-me dos fragmentos de segundo categóricos que deliberam a cada instante… o último sopro de vida...

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