30 abril 2014
Outros voos...
Assim como dos trapos se fizeram bonecas...
Do casulo sai e voa a borboleta...
Tem-se que penar muito para ser-se: Ser humano...
19 março 2014
SON(H)O
É impossível que as palavras acompanhem esse amor.
Nesse arco-íris transposto em meia-lua,
Que a noite trouxe em pedaço de luz,
Sob um silêncio obstinado.
É o rouco fado da escuridão que atravessa as ruas,
Que as palavras não encobrem, diante dos dedilhados de
uma guitarra lusa, a um passo de ti de distância.
Somos duas metades que se alcançam,
Duas metades que se bastam, numa imensidão de palavras
que se acusam, se calam, sobrevivendo em nós.
Trouxe-te para nós,
no fogo ardente em presença e sombra que gela em
ausência…
Num mar alto que descomedido avança…
Somos quimera que chora,
Amor-perfeito que floresce…
Aquela hora… nunca se esquece!
A melancolia tem vidas.
A vida tem incertezas.
Privações movidas de tristeza.
Sinto cada vez mais a falta da noite,
Apenas ela me leva a ti, num vagaroso son(h)o…
Daqueles… Felizes!
Os Judeus dizem: Bendito é Deus que muda as horas!
Malditos ‘agoras’!
Infelizes…12 fevereiro 2014
Saudade
Como esquecer
a saudade,
que se
entrelaça com o esvaziar da luz do luar?
Essa mesma
que amanhece em mim todos os dias,
querendo
apenas me tomar…
A distância
nunca foi tão próxima…
A dor
nunca se fez tão célere…
Escurece
a tua sombra em mim…
Anoitece
a fúria da revolta…
Essa dor
que permanece…
…que vai,
mas que volta…
Os meus
sonhos só me (des)compensam (d)as noites frias,
em que
adormeço para na tua ausência te encontrar…
É nessa
anestesia de amor,
que te
cubro e descubro…
É nessa
afasia de cor,
que te
idealizar é tão somente amor… amor…
O teu
perfume, o teu retrato…
Estão
no quarto de lua que me resiste,
Tecida
a saudade…
Olha a
lua desse lado,
Que em pranto
recado persiste…
Sem termo,
sem idade…02 fevereiro 2014
Instinto de Sobrevivência
A memória é assim veloz e transitória, enquanto instinto de sobrevivência…
Queria desligar da corrente… Ou, em última instância,
libertar-me das correntes que me aprisionam a alma e que não me deixam viver
livremente, que é como quem diz, inconscientemente…
Nos arcos da vida, que todos sejam de “triunfo”, já
que o arco-íris é efémero demais para ser um caminho a seguir…
O brilho das cores deste fenómeno natural triunfam em
arte pura, mas são impossíveis de tocar, alcançar… Os seus extremos vagueiam imediatos e perdidos. Eu também…
Inverno
O vento encarregou-se de me fechar a
porta do carro...
É só mais uma que se fecha...
Mas a fechar-se, estava mais um
dia...
Chovia... Arrefecia... Escurecia...
O mar que me via... Ouvia-se no seu
desassossego...
As intempéries destroem, mas adormecem...
19 janeiro 2014
Complexidades
Traduzo gestos
que observo.
Sem análise,
com intuição.
Um dia este
servo…
Não terá mais
que pedir compaixão.
As teimosias
despertas,
Vivas, de tanta
encruzilhada volvida…
Foram portas
abertas,
Quantas vezes
despedidas…
Deste-me vida…
Deste-me alma…
Cobriste os
meus sonhos de realidade…
Apenas esqueci
de dizer que quero sempre mais…
Busco o que me
quer acolher.
Vivo do
imediato, sem perseverança.
Entrego-me às
resistências que teimam em aparecer.
A vida é
esperança…
Respirar é (sobre)viver,
Tudo aquilo
que o meu ser alcança…
Ou se vive ou se deixa morrer.25 dezembro 2013
Festas Felizes!!
As maneiras de dizer adeus, não existem. Acontecem espontaneamente. Neste Natal, todos aquelas folhas caídas de árvore genealógica e as flores que fizeram questão de nascer connosco e que cedo partiram, que sejam luz, alegria e esperança... Foram Vidas de perene aprendizagem. Caminhos que só cada um de nós pode percorrer. Palavras que apenas nós reconhecemos. Lágrimas e gargalhadas que juntos trocamos em cumplicidade e reciprocidade. A finitude traz a saudade. O amor ficará sempre alojado no coração. [Texto: ELF]
12 novembro 2013
Despedida. Até à Próxima...
E peço ao silêncio para me tomar.
Domando a infinita fúria indomável que me toma. Sim. Desculpa não conseguir consenso
na amplitude do eufemismo. Tenho que admitir que nesse trecho, a minha
ignorância é tremendamente atrevida.
E a voz calou-se. E o tempo parou. E a
vida não quer apressar-se.
As palavras cobriram-se de nuvens e
já não há lágrimas que calem o silêncio da tua ausência. Apenas o calor no coração afasta algum desse caos...
Obrigo-me a calar o amor que sinto
por ti.
Flutua a inabilidade de enxugar as lágrimas que caem involuntariamente.
É esse mesmo aconchego que me abraça o rosto.
Já percebi que na minha estória, os relógios contam o
silêncio e amarram-me o tempo.
Tanto que te compus em sonhos que me apareceste em
formas que me habituei a estimar e honrar.
“A juventude é mesmo isso, um lugar onde o futuro é
maravilhosamente totalitário”, escrevera Luís Osório.
A paz que me transmites envolve todos os encantos do universo
e mais algum… Estou certa que me trarás mais uma revelação...
A minha infelicidade deve ser planeada ao pormenor
pelos deuses, que em vez de loucos, me enlouquecem.
Magoa-me fraquejar ou ser fraca mesmo. O osso e a
carne que me erguem nunca alcançarão a âncora que deveria ser.
Quero voar contigo. Assim como seguimos caminhos
diferentes uma vez, o ‘destino’ voltou a encontrar-nos. Essas asas que voam
para longe só nos sufocam, porque a distância é estéril, impessoal…
Aguardo impaciente pelo dia em que consigamos parar novamente
o ponteiro dos segundos, olharmo-nos e prometer a irrelevância das palavras. Parafraseando
o Luís, o amor necessita apenas do reconhecimento do olhar. Sabemo-lo bem. “Obrigada
pelo tanto Futuro que me deste.” - Escreveu ele também.
Vou acatar a tua demora com um único desejo, que o
regresso revigore esta saudade até à próxima despedida.
Texto e Foto: ELF
05 outubro 2013
Deixar para trás!
Procurei o tempo mais célere, mas a velocidade deteve-me.
Coloquei as
asas no vento, mas a rosa-dos-ventos nem sequer se moveu.
Construí
pontes de braços que se uniram, mas as vozes enfraqueceram…
A luz ficou
obstruída pela água que cai desalmadamente.
"Não se pode criar experiência, é preciso passar por ela"
(Albert Gamus)
Mais ou menos encorpada? Quase como se de um lugar privilegiado se
tratasse: “Prefere um lugar à janela ou no corredor"?
Invisível da rua, o lugar pode ficar à descoberta….
“A Vida deveria
ter uma linha de apoio ao cliente.” Gratuita, de preferência!
Este “atelier” ensina-nos a pôr em palavras o que apenas guardamos na
nossa arca de memórias ou que nunca ousáramos dizer. Sentindo-nos obrigados a
calar e escutar, fazendo das palavras dos outros as nossas frases.
Avisto um terraço acolhedor, local onde digerir o fim de mais um dia seria
o mais generoso que me poderia acontecer. E
fico ali. Somente ali. Opto por desligar das vozes e sons e passo a meditar,
mergulhando numa noite em que o sonho se manifeste real e onde as estrelas
cadentes dancem no meu olhar… Iluminado pelo brilho da lua e enfeitiçado pelas
ondas que vão e vêm sem precisão…
Refeita, o último a sair que apague a geometria obtusa de tudo o que
pude deixar para trás.
TEXTO: ELF
24 setembro 2013
Alquimia sem Dimensões
Esculpir com alma é ser-se embaixador e alquimista dum templo de tentações que resiste ao tempo. Numa odisseia, onde é preciso encomendar com antecedência a felicidade, até garantir um oceano de sensações inteiramente nosso!
É preciso resistir ao tempo… sem
saber a duração e o formato da temporalidade…
Locais inesperados fazem – no imaginário
– uma mesa para dois. Quando caídos num, avistamos um avião que desenhou uma
linha de fumo esbatido no céu, que parecia indicar um caminho que deveríamos
seguir.
De olhos em bico, acabamos por nos (re)encontrar…
Lá, onde as mais estranhas naturezas se juntam…
Ou não fosse a rua a melhor sala de
cinema dos nossos dias. São inúmeras as fitas na rua… fitas de rua… sem tempo e
espaço para acontecerem. Um amplo espectáculo aberto para passageiros ou
simples transeuntes, que correspondam aos estímulos de arte! A novos ‘voos’…
No rasto deste fado, o que fica?
Um manto negro. Quiçá uma ardósia, pendurada à porta duma parede velha caiada
de branco, com o horário do espectáculo por definir…
De rugas pisadas no rosto, o desfecho é
simples de adivinhar e, já foi concretizado em palavras, por Oscar Wilde:
«Adoro
as coisas simples. Elas são o último refúgio de um espírito complexo.»
Sim… Entrámos definitivamente noutra
dimensão!
20 setembro 2013
Sustento Esperança
Não tenho escrito uma linha. Umas reticências, que seja… Já não há espaço
para palavras ocas, estéreis. Há uma resignação pontiaguda que aguça o engenho
da inércia, tão assertiva quanto possível ou… ainda mais…
Entrego a sonoplastia dos meus dias, aos ruídos que se cruzam com o
caminho onde vagueio, a voz já não se faz ouvir, silenciou-se na hecatombe que
me faz percorrer o vazio sozinha e a uma só voz – aquela que já não ouço e à
qual já não indago. Quis manter-me
à margem de tudo. Porquê? "I've looked at life from both sides now, from
up and down and still somehow..." Joni Mitchell, cantava em 'Both Sides,
Now'.
A vida é um jardim de formas imprevistas, cuja sombra se projecta a partir
de um tecto denso de árvores. Nessa sombra, nem sempre se alcança a luz.
Henry Miller disse que "Um destino não é um lugar, mas uma nova
maneira de ver as coisas". Justificaria antes, como sendo um ‘local’ de
esperança!
Com os olhos e o coração no céu, envolta por árvores e silêncio, o
calor dos dias escurece, ressurgindo em lua
morna… Ali, a vista parece infinita, sem obstáculos para transpor.
Ele e eu sentámo-nos no exterior, que também poderia ser o interior… As
paredes de vidro eram o agasalho do tempo…
E se os anjos caem do céu, também podem cair nas mais peculiares formas de
vida… Em última instância, é de vidas que precisamos para nos sustentarmos
diariamente.
12 setembro 2013
Conto - Silêncios Interrompidos
Descrição:
Pegue-se numa árvore, nas suas ramificações, nas suas rupturas... Resultado? Um cruzamento de vidas cujos silêncios vão sendo automaticamente interrompidos!
De costas voltadas, vejo Clarisse desaparecer. Silhueta curva, semblante negro recortado. Um rosto outrora destemido, agora distorcido da juventude que há muito ficou para trás.
Traz uma impertinente tristeza plasmada nas
rugas que lhe marcam o tempo. Muito tempo. Uma vida de trabalho caseiro, um
suporte incondicional dos filhos que nunca fugiram de perto da sua saia ou, saias.
(Se se subentender que antigamente era mais do que uma, entre saiote, saia,
forro, bata ou avental…) E, nos intervalos da lida de casa, sempre teve tempo
para atender aos pedidos de emergência que estes não conseguiam dar resposta.
Deu sempre uma mão, ou até mesmo as duas. Nunca se recusou à faina,
demonstrando sempre o máximo sentido de responsabilidade e uma vontade muito
genuína, altruísta, em querer somente ajudar.
Vale-se da valentia inusitada da figura Mulher.
Não há género que compense as vidas que trazem ao mundo!
Carregou no colo dois filhos, Leonor e Simão.
Posteriormente, os filhos destes, Carlos e Miguel, respectivamente. Diz que
“há-de morrer” sem ver uma nova geração, mas mantém a vaga esperança que um dia
os irá embalar junto ao peito, porque no coração já se encontram. “Quem espera
sempre alcança.” E é nessa forjada persistência, que surge sempre apaziguadora
e paciente perante as contrariedades da sua existência.
Não se
cansa facilmente, apesar das forças e a saúde começarem a não corresponder. As
pernas já não a transportam, arrastam-na. Assim como a vida lhe arrastou os
cabelos que se cobriram de branco.
Leva os chinelos, as meias de algodão por cima
da meia-calça canelada, a saia e o avental. Cobre-se do tempo com um agasalho
negro, quando tudo o resto se esbate em tonalidades que gradualmente vão dar à
escuridão da noite – o preto ou aos dias cinzentos, que em xadrez, sempre se
manifestam inanimados.
Falta-lhe luz. Falta-lhe o brio. Faltam-lhe
dentes, que a impedem de sorrir. Simplesmente, a idade já não lhe pesa tanto.
Encarou-a sempre com sentido de missão. Uma missão que já não a deixa apressar
os passos, dada a afasia constante do tempo que corre… Por enquanto, o relógio
tem sido permissivo.
Perdeu o homem da sua vida, ou melhor, com quem
partilhou a vida. Nunca se chega a perceber o que representam tantos anos de
casamento, quando se vão somando décadas (decadentes)?! O segredo nunca
revelou.
O marido era robusto, um pouco sisudo, quando
se encolerizava, cuspia a prótese… Ficando ainda mais desprovido de argumentos.
Mas para ela era o fascínio de amor que se lhe lia nos olhos. Terno e
apaixonado, Clarisse era a ‘menina’ dos seus olhos, sempre foi, mesmo quando a
visão o começou a atraiçoar. A idade tem destas emboscadas, imprevisíveis
esperas, entre partidas e chegadas. E enquanto se vê partir, poder-se-á ficar apenas
com a saudade das vozes e das gargalhadas sempre familiares. O dia mais negro
será aquele em que a memória esquecer de replicar os pormenores de vida vivida
em comum. Será esse o ‘Adeus’ mais profundo.
Vivia na ‘margem sul’ da Rua Direita, quem
desce, da serra para o mar. Uma casa construída a preceito, com vista para o
mar.
De risada fácil. A sua passagem era sempre
majestosa. Nunca ninguém ousou ficar-lhe indiferente. Os cumprimentos de
circunstância tinham outra cor. Representavam muito mais do que um mero gesto
de cidadania. “Se” mais gente cultivasse o sorriso, a gentileza, a cortesia,
certamente que o mundo seria um sítio menos desumano. Porém, a conjunção subordinativa
condicional assume-se cada vez mais como uma dependência de vocabulário e
defesa do incontrolável, do que um fim último, derradeiro.
Uma dualidade se avista. Se por um lado há
gente totalmente incapaz de fazer girar o mundo, por outro, há gente capaz de
tudo, e é esta miscigenação de ‘gentes’, que faz com que o sistema se
descontrole, se desumanize, se descredibilize.
Um dia, Leonor, sempre muito próxima da
matriarca e martirizada pelos ‘diabinhos invisíveis’, como alegremente se
dirigia aos diabetes e colesterol de que padecia, proporcionou-lhe um momento
único, uma espécie de incumbência, que só podia ser confiada a alguém por quem
se nutre um tão incondicional amor, um olhar atento sobre os que eram seus: o
marido Francisco, o neto Carlos, a nora-neta Lídia e a bisneta que vinha a
caminho, a pequena Luísa. Enternecida, com a boa-nova, não deixou a melancolia
falar mais alto. No seu íntimo, percebera que Leonor estava a despedir-se e a
entregar-lhe as vidas, que como a sua, lhe começavam a escapar. O único fim
incapaz de ser adiado estava próximo. As doenças silenciosas não passam duma
crueldade a velocidade cruzeiro…
- Não estou a afastar-te ao mandar-te embora.
Estou a libertar-me! Dissera-lhe Leonor, quando a medicação apenas aumentava a
vulnerabilidade de quem apenas respirava e se movia lentamente.
A batalha de emoções de Clarisse voltara. Mais
um atentado à sua capacidade de resistência se avistava, da pior forma. Até
podiam dizer-lhe que o futuro estaria escrito nas cartas… Faltaria saber se nas
‘escritas’, nas de ‘jogar’ ou nas que ainda não haviam sido nem escritas, nem jogadas.
Ser-se visionário nestas matérias será sempre discutível. Há questões que com o
tempo e por serem repetidamente equacionadas, se perdem numa resposta que de tão
corriqueira imprevisibilidade, já não se suporta verbalizar. Era este o convívio
generalizado daquela velha alma.
Há uma semana, Clarisse tivera um sonho. Não
lhe dera grande importância, pois de todos eles se acorda... Há quem diga que
um sonho que não se interpreta é como uma carta que não se lê… As premonições
vêm sempre das mais perversas maneiras. Porém, nem sempre a intuição as
acompanham ou na dúvida, as querem acompanhar. A imprevisibilidade de
acontecerem, dotam-nas de uma incerta animosidade…
Viver é das únicas coisas que não podem ser
deixadas para depois. E quando alguém se depara com um fio de azeite de vida,
escorrem as dúvidas…
- Estou a perder-me aos poucos. Dissera Leonor
à mãe, na tentativa de ser mais directa. Não conseguia falar do ‘assunto’
abertamente. A fraqueza corroía-lhe os membros. Não sabia se estaria por meses,
dias ou até mesmo horas, a verdade é que a presença da Mãe fortalecia-a em
todos os sentidos. Tanto assim era, que lhe dissera:
- Não temas arriscar. Quando um barco avança,
ele equilibra-se.
Toda a vida de Clarisse fora marejada de
lágrimas sentidas, um barco ao sabor do vento, numa rosa-dos-ventos, atroz e agreste.
De uma coisa estava certa, a vida tornara-a modestamente resistente a qualquer embate.
Este seria apenas mais um.
Do alto da sabedoria da idade, aquiesceu a
cólera. A disciplina autonomizava-se nela. A sapiência da idade traz essa
acalmia, muito embora, a revolta interna teimasse em resistir a lidar com mais
uma perda.
A vida não passa de uma miríade de silêncios
interrompidos... De uma (de)gradação degenerativa extremamente complexa.
O tempo agudiza as vidas de espera ou as
esperas de vida… O que quer dizer que seja dum lado ou doutro, não é fácil
vestir a pele.
- Sinto-me um nada no vazio de uma bolha…
Concluía Clarisse, impotente contra a
adversidade. Os ciclos são renováveis, mas falíveis. Tudo se transforma. Nada é
estático, mas a dúvida do timing
permanecerá sempre como uma imprevista interrogação.
Na verdade, o tempo vai passando como o ar
entre os dedos, mas parece que não escolhe Clarisse. Sem eufemismos, será que
os velhos ainda têm sonhos?
- Embala-me os sonhos. Embala-me a vida até que
ela deixe de me acompanhar. Já não me faz falta. Aliás, aquilo que me faz falta
já não me pertence, não consigo tocar e, as forças que acalento já não têm a
mesma intensidade. Deve ser essa a velhice, mais ingrata. Tenho aguentado tudo
de forma estoica. Já não concebo o jargão ‘depressão’, apenas uma tristeza
visceral que se vai renovando. Assim, como “o amor é um pássaro que gosta de
ser livre. Ele precisa de muito espaço para voar…” (OSHO) E eu já não tenho tempo,
nem espaço. Entrei na bolha do meu vazio, da minha solidão, que a cada dia que
passa é mais asfixiante, mais austera, mais triste.
Clarisse estrebuchava, numa manifestação
abrupta de cólera contra a sua mais constante condição ora de queda, ora de
ascensão. Um jeito de vida que foi construindo, ou simplesmente, absorvendo…
Resfolgando espaçadamente, a matriarca apropriava-se das palavras sábias de
Robert Lynnd, “no que se diferenciam os pássaros do ser humano é na sua
capacidade de construir, mas deixando a paisagem como estava.” E de seres
humanos percebia ela bem, numa psicologia adquirida na escola da vida.
- Se há deuses, coisas, sentimentos, para termos
fé… andam todos muito desfasados das nossas preces. Sinto-me uma indigente que
reclama: paz! No limite, sei que até é possível sobreviver a todos os contratempos
desta vida, simplesmente a sobrevivência não é propriamente sinónimo de vida. E
ser ou não ser o sustentáculo de várias vidas começa a ser um exercício penoso.
Aliás, apesar de ir ao sabor do vento… A minha realidade é inegavelmente de contínua
anulação pessoal, não que a faça contrariada, mas assim será até as coisas
estabilizarem, outra vez, até que recomece um novo ciclo. A fé no dia em que as
coisas vão melhorar tem que ser contínua. A distância desse dia é sempre uma
incógnita, uma ilusão que se vai replicando nas expressões “um dia de cada
vez”, “uma hora de cada vez”, “uma vida de cada vez…” E nesse intervalo, a
solidão vai sendo a companhia que se reconhece como a mais presente, a mais
próxima, num incomensurável silêncio interno interrompido. O importante é que
não haja desvios nas intenções do coração…
E o seu instinto era o de uma força da
natureza, onde a sua inspiração tinha uma fonte: a vida das naturezas que
pousavam suavemente nas suas mãos e que segurava com a vida.
A árvore da vida vê passar muitas outras
histórias, que vão repousando na sua sombra. A dimensão que atinge, ignora quem
lá está e porquê… O seu fim último é abrigar, por isso é que à Natureza chamam
Mãe.
- Temos tanto amor para dar. Há tanta gente
para o receber, não nos envergonhemos de o sentir! Há vidas que não se cruzam
com a nossa por acaso. Constatava.
- É por isso que a idade tem a clareza e a
resposta célere. Já não há mais dimensões para medir palavras. Há que
genuinamente proferi-las. Porque se há os que cantam o fado, há os que o vivem
diariamente.
A sua idade cumpria o desígnio da sabedoria e tranquilidade
tão consequentes. Os anos empacotam muita coisa… Não apenas as materiais…
Fartava-se de repetir.
- Deus me dê muito e eu que me satisfaça com
pouco…
Era essa característica que a distinguia dos
outros que vivem da idade que passou.
Clarisse acertara o relógio pelo mar. As manhãs
serão perenes de reencontros, de cumprimentos, de braços estendidos, de breves
passagens, de afinidades que crescem dos contactos de impessoalidade. O tempo
define quem fica, quem parte…
Voltam-se as costas e de novo surge a sorrir. E
um sorriso devolvido não tem preço. A alcofa vinha embrulhada de esperança, com
Luísa. O dia era de encantamento com aquela pequena presença, que tanto a
preenchia. A visita vinha acompanhada de papoilas coloridas que tanto a
alegraram.
O almoço foi prolongado e recheado de histórias
e recordações. Não se saiu da mesa e já escurecia… Lá fora, chovia. Lá dentro
também…
Pela janela, esquecida aberta entrava
uma brisa de terra levemente molhada que exalava o odor quente que as suaves
gotas de chuva tentaram esfriar… Que mistura genuína de poderes ancestrais,
abafada pelo calor dum tempo que não se define, apenas se transcreve instante a
instante.
E felicidade é isto… A percepção exacta
do que os sentidos alcançam e que tantas vezes se desperdiça pelo descuido
desatento de detalhes únicos…
Momentos de evidente captura, alocados
na viagem que fazemos, sempre que nos prestamos a sentir o chão que pisamos e o
ar que respiramos.
Ao passo que trespassava momentaneamente
para o ‘outro mundo’, aquele desacordado, desliga-se o cérebro. E, as vidas que
deixaram de existir, depressa não passarão de ténues sombras passageiras. “A
vida é uma dança na corda oscilante do inesperado”, alguém disse, provavelmente
intimidado pela presença ininterrupta de algo sempre em falta. Somos seres
penitentes de uma inesgotável ausência.
Esta busca e confissão de sensações. Esta vertigem que embala os sentidos…
Leva a pensar que a vida fora daqui talvez tenha os seus desencantos. Mas estes
efémeros momentos de puro feitiço e abstracção são cada vez mais
imprescindíveis.
Junto a Carlos, Lídia e Luísa, a comoção escorria-lhe pelo rosto. A
felicidade tem os seus momentos. Quanto à durabilidade destes, a que quisermos…
Sempre atento e descontraído, Carlos pergunta-lhe:
- Estás a chorar porquê? Quem foi que te bateu?
- A vida. Retorquiu.
- Mas a vida não bate em ninguém…
- Isso é o que tu pensas! Contestara.
Carlos viera ao seu encontro sem palavras... E, as palavras tornam-se desnecessárias quando a
intimidade se estabelece.
Foi o grito da alma que os cruzou. Foram duas formas de vida que se cruzaram... A distância será sempre a mesma que os separa... Separou... Também, foi o mesmo silêncio que os aproximou...
Na unívoca simplicidade viverão à parte. Sós. Mas trar-se-ão um no outro ou um ao outro pela eternidade...
Foi o grito da alma que os cruzou. Foram duas formas de vida que se cruzaram... A distância será sempre a mesma que os separa... Separou... Também, foi o mesmo silêncio que os aproximou...
Na unívoca simplicidade viverão à parte. Sós. Mas trar-se-ão um no outro ou um ao outro pela eternidade...
Carlos andou desligado da família, porque não
entendia muito bem o conceito até ter uma. Pensava que eram elementos que
estariam sempre presentes, até a vida lhe ter ensinado que os imprevistos são
sempre a parte mais previsível do sistema!
Nem sempre as vidas se cruzam no tempo exacto
de serem partilhadas, mas quando o são, que o sejam na plenitude.
Do alpendre, já só, mirava o horizonte que se
mantinha longínquo, o anoitecer ia enterrando mais um longo dia…
Todos os dias mais um definha para que no dia
seguinte possa renascer de novo. É assim que o tempo se vai consumindo… até
porque no fundo, tudo é definitivo até mudar!
E o tempo faz acontecer a vida.
De vida apagada não vivemos.
Milésimas de segundo mudam vidas.
Vidas passam para segundo plano.
E tudo tem o seu tempo de acontecer.
Se a inevitabilidade o predisser…
De vida apagada não vivemos.
Milésimas de segundo mudam vidas.
Vidas passam para segundo plano.
E tudo tem o seu tempo de acontecer.
Se a inevitabilidade o predisser…
FIM
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