21 abril 2008

stretno moj prijatelj *


Apetecia-me desenhar.
Não almejava uma obra de arte, apenas um pedaço de imaginação, ou um ‘eu’ distorcido.
Comecei o esboço e um rosto tomava contornos.
Eram contornos a preto e branco, talvez cinza, para ser mais precisa, devido ao carvão.
O avanço era pouco cromático por imprecisão da expressão que queria criar no retrato.
A paleta de cores, que ainda não tinha usado estava ali para colorir…
O cavalete segurava o meu retrato, inibido de cor.
A cada traço que delineava, ia encontrando uma imagem familiar.
Eram, na verdade, os riscos que corria.
A anulação de cor era vestígio dos dias cinzentos e macambúzios que me socorriam, quando mais ninguém tinha essa capacidade.
E de repente surgia novamente a omissão da paleta:
A paleta de cores estava ali para colorir…
Optei por deixar o rosto em primeiro plano, não ousei que os cabelos encobrissem a personalidade do desenho.
A sobrancelha, esguia, alinhava-se pelo olhar; vasto, incisivo, num toque indeciso ou longínquo. Definitivamente profundo.
As horas tinham passado em flecha, ainda que sem alvo e anoitecera.
A luz da lua iluminava o meu retrato. O foco da lua cheia era suficiente para me alumiar as ideias. Faltava pouco ou provavelmente muito, para terminá-lo.
As dúvidas atormentavam-me a composição da expressão e definição dos lábios. Estava disposta a rasgar um sorriso. Podia entreabri-los para confirmar o olhar. Queria eternizar o que a morte vai levar de mim.
Mais uma vez a indefinição abeirou-se-me, pela falta de cor.
Seria um desenho inacabado?
Ou uma manifestação cinzenta duma imagem que recriei.
Não estava a ser original.
(Re) conhecia-me, não na plenitude, mas na forma.
“A paleta de cores estava ali para colorir…”
Esse alcance fazia-me contrariar a vontade de avivar, aquele ser apagado e sem vida.
E tantas vezes passamos pela vida sem pegarmos nas cores, para a colorirmos, que subitamente encontrei alguma coragem e parti, na sua direcção. (pensei: se a coragem é gratuita porque é que estamos sucessivamente a escutar a frase: “Não tenho coragem”? ou mais errado ainda, a proferi-la?)
As tintas da paleta tinham secado, por isso refresquei-a com a textura e o odor, a fresco, a renovado.
Ostracizei a minha vontade, porque nem sempre ela me cumpre.
Dei-lhe cor, como se lhe tivesse dado vida.
Deleguei ao desenho o poder de transformação que me pertence.
Era um retrato de mulher.
Único.
Meu.
A sombra desapareceu.
E, o mundo das cores reproduziu-se. Uma única paleta não admitia tamanha diversidade cromática.
Se da noite brotam estrelas, nem ela gosta do vazio, da solidão, da escuridão.
A luz que erradia a vida é, por vezes, encoberta.
Destapo-a e ela toma o meu rumo.
Enquanto vaticínio, aceito-a.
Afinal, sobejamente, dizem que ‘há sempre uma luz ao fim do túnel’.

“Se não conseguimos encontrar contentamento em nós próprios, é inútil procurá-lo noutro lado.” (La Rouchefoucauld)


stretno moj prijatelj *


* “boa sorte” em Croata

1 comentário:

Misantrofiado disse...

Se a própria vida é incompleta, como é que eu devo aceitar terminar alguma coisa?
Tudo me parece indefinido, porque não vejo nem acredito que algo viva sozinho.
Enfim... percepções caleidoscópicas muito pessoais.

[La Rouchefoucauld] - concordo e divulgo.

Entendendo eu a sorte através de uma interpretação também muito pessoal, fico a pensar o que será má sorte!

O que é que arde sem se ver?
Camões escreveu de sua justiça... por exemplo.