22 julho 2011

Feridas Expostas [V]


26 anos depois, Luz escutava a mesma música de 1985 justamente com a mesma intensidade. Imortalizado por Mr. Mister, o tema «Broken Wings» era muito mais que um hino aos seus sonhos, múltiplas vezes, desfeitos. Às vezes dava com ela a perguntar-se:
- Será que alguém quer estas ‘Broken Wings’? São gratuitas. Mas ao que parece, nem tudo o que é ‘à borla’ as pessoas aceitam. Há ainda por aí muita gente selectiva no que é oferecido. Vai-se lá entender, porquê…!
Aquela canção murmurava as tortuosas desventuras do que de tão perto acabou por se perder. Estes momentos são de pura incompreensão pincelados de ingenuidade.
É como se quiséssemos prender o ar entre as mãos e ele rapidamente sumisse no vazio. É como tentar preservar bolinhas de sabão intactas. É como tantas outras questões que invariavelmente não se socorrem de uma única resposta.
Todos os momentos podem ser os últimos, mas não raras vezes esquecemo-nos desse indelével pormenor.
Asas que se partem e asas que já se partiram, metaforicamente, o importante será curá-las e deixá-las voltar a voar, como tão bem sabem fazer livremente.
Luz procurava na sua mão, a mão de Henrique. Um toque singelo que a protegia, protegera dos temporais e tempestades da vida. De facto, era muita responsabilidade para um ‘simples’ toque…
Deve ser proveniente daqui a expressão: "Dar uma mãozinha!" [Deve, pois!!!]
Henrique partia mais do que chegava, desassossegando a cadente Luz. A cada recomeço, que era como se gritasse reencontro, ela mantinha-se ali, sempre disponível com todo o amor que tinha para dar. Exactamente igual, transparente, cristalina…
Luz convencia-se que daquela vez seria a última, mas à medida que os anos iam passando, sentia-se envelhecer naquele misto de relação impura, insensata que só lhe trazia transtornos emocionais.
Precisava em paradoxo ganhar asas de luz forte, que queimasse e reduzisse a cinzas tudo o que sofrera em silêncio. Aquela mulher apercebera-se que passava horas e mais horas calada. O silêncio é uma marca de vida que está mais presente do que a nossa alma. E o nosso maior diálogo é connosco. Irónico!
Quando um corpo se cola noutro, abrem-se precedentes à tolerância espírita e, do sangue que se mescla, brota vida e mais vida de todas as cores do arco-íris…
Precisar de alguém pode ser tão redutor e possessivo, quanto essa ‘necessidade’ de companhia…
E depois? Asas feridas. É esta busca incessante que acaba por fechar os olhos aos menos pacientes.
Luz abria o livro do amor e não encontrava nem perguntas, nem respostas, apenas momentos de felicidade, não queria ocupar o seu livro com os sucessivos desassossegos de dor.
Além de Henrique, muitas eram as criaturas que povoavam o seu universo de vida e que ora entravam, ora saíam, sem compromisso! Ela abria as suas asas e acolhi-as igualmente no momento de embarque, de chegada, de regresso… Penitenciava-se por isso, mas sabia que era essa paz que a fazia viver interdita de tristeza. O tempo apagava tudo, ou pelo menos, as partes mais cinzentas que várias vezes feriam de sangue as suas asas, a sua alma.
Apenas as vozes angelicais a tranquilizavam. Era esposa das baladas, comovia-se com as universais palavras melódicas em verso, com que tanto se identificava e, escolhia a noite para contemplar o vazio e o silêncio que apenas ela podia preencher.

1 comentário:

Renato Filipe Cardoso disse...

"A verdade dói e pode estar errada"

João Negreiros