26 setembro 2012

Murmúrios...

A tarde trouxera a escuridão que se transportava para a noite que se anunciava temperada, arrefecida.

Na mente, abre-se uma brecha no tempo que a transporta pela procura. De quê? Diz-se que: “Quando procuramos descobrir o melhor nos outros, de alguma forma descobrimos o melhor que há em nós mesmos.” Descobertas à parte, a tendência é procurar ‘o melhor’ sem que se note que ‘o pior’ é descaradamente descurado, e que invariavelmente, ele lá se dispõe a aparecer! Até onde vai a admissibilidade desse ‘pior’ e quando é que ele surge? Quantos egos chocam na mais evidente imperfeição humana…

A competência para apaziguar é uma dádiva. É a quietude do espírito que ameniza qualquer distúrbio mais intempestivo que se aloja momentaneamente e se esvai sem resposta concordante, na versão mais complacente.

Não são momentos estanques ou alternativos… São antes, repercussões internas, reprimidas, que se alojam numa dinâmica passiva e que ao desbarato se esbatem nas paredes da boca e regurgitam em voz displicente, quando não contida.

O julgamento será alguma vez um ponto de partida ou chegada? Não. Será ainda o grande exclusivo dos tribunais, que não sendo grande termo de comparação é o único real que subsiste!

“É preciso ouvir os apelos silenciosos que ecoam na alma da pessoa.” E o que está escrito na alma é difícil de decifrar e aquiescer. É um acesso estritamente reservado. Poucos o conseguem invadir, interpretar. São silenciosos apelos inconscientes, perturbadores, afectuosos, melindrosos, inacessíveis, alcançáveis, que se podem ousar tocar em jeito de partilha retraída.

É na visão que construía dos outros que se espelhava e se desvendava ao mundo. O que os outros viam? O que os outros pensavam? Não passavam de transcrições polissémicas. O absolutismo que se abarca detentor da sapiência máxima tem dessas coisas, ou quiçá, coisa nenhuma. É uma questão de relativizar ou suavizar os murmúrios da sabedoria sobre a essência de cada um e para isso não há limites.

24 setembro 2012

São meras palavras...


















E toco nas palavras enformando-as como um arco-íris que aparece e desaparece num ápice. Reflexão que não chega a alcançar a memória. Palavras desconstruídas que se alinham em labirinto inconsciente com a consistência natural da autenticidade.

Essa vida autónoma endemoniada segue só e (re)aparece quando a inspiração flui inqualificável, inquantificável, deserta, superlotada, ensaiando manifestações de papel e caneta ou os automatismos tecnológicos mais rebuscados.

As palavras rendem-se à vida que nelas habita, a sós, acompanhadas, precedidas, complementadas, gerando uma polissemia discreta, única.

É na transversalidade das palavras que significam que se encontra a capacidade de metamorfose, ao ritmo da inquietude das mentes que as levam… O seu dono, impávido e sereno, deixa-as voar em liberdade.

Existirá uma métrica com dono?

Como soa o protesto das palavras não usadas?

As escolhas são tão restritas quanto a ordem de um inconsciente voluntário “pseudo-amestrado”.

Escrevo, o que talvez articularia em fonia.

A voz tem o som de palavras que (en)cantam e comunicam vida. Fala do indizível, do horizonte que nasce e nunca morre perante as luzes que caem no seu leito e fazem o dia anoitecer.

É nesse naufrágio que mergulham e adormecem as palavras que folgam a magia de viver dentro de um sonho.

20 setembro 2012

A luz que se escorre na água



















Apagou-se a luz. Aquele véu de insegurança translúcida castrou-se.
O sol (im)pôs-se naquele dia, como em todos os dias em que se exibe majestoso. Foi uma imposição temporária. Também já era seu hábito.

A compleição da imperfeição tem na mãe natureza todo o seu expoente máximo. A beleza tem dessas coisas. Serve para enriquecer quem a encontra através da contemplação, assim como é nula para quem passeia cego na vida.

Talvez a versão optimista veja a graciosidade das coisas, ao passo que a pessimista se obriga a torná-las invisíveis. E o invisível é um vazio enorme que se sustenta por si só.

Criam-se vazios gigantes. Morre-se antes de viver. Incorre-se na lamúria gratuita que se esbate na sombra de quem assim quis viver e desistiu, prontamente.

Diz Shakespeare (em "Vencer se Possível, Desistir Nunca") que:

“As falhas dos Homens eternizam-se no bronze,

As suas virtudes escrevemos na água.”



06 setembro 2012

A Vida é ‘Velha’!


Duas horas de sono e aí vai ela, rumo a uma viagem que podia ser um mero passeio, mas não, tratava-se de uma excursão de jovens pertencentes idades nobres. Muito nobres.

Entre os esgares de desconfiança, contemplação ou surpresa, vinham um a um, pé ante pé, como se os ponteiros marcassem os seus ritmos, em segundos espaçados dum relógio analógico.

Diziam que iam essencialmente (con)viver, pois o normal é passarem pelos dias apenas existindo e lutando contra um tempo que escorre a conta-gotas. A solidão preenche-lhes o tempo dos dias, que parecem enlutados e cinzentos. E a vida, a vida é sempre mais velha. Há que preenchê-la, organizando-a suportavelmente diante do arco-íris profundo e equilibrado dos dias.

Às 6.30h em ponto, a hora marcada, chega a menina e moça que mal abre os olhos de tanto sono acumulado. Corina Maria era assistente social e juntava-se ao grupo para prestar o seu auxílio, enquanto voluntária.

O autocarro onde seguiria, já aquecia, parado. A ordem foi dada para entrar e a voluntária deixou que todos entrassem naquele autocarro, para depois ficar com algum lugar que restasse. O conforto dos acompanhantes e a sua acomodação era um desígnio. Com tão pouco tempo de sono, a menina sabia que adormeceria rapidamente, mal o autocarro se fizesse à estrada. No caminho, Portugal ficaria para trás e atravessar-se-ia para uma curta visita ao outro lado da fronteira, Espanha.

Os três autocarros abalaram. Corina abandonara-se de imediato ao sono que a cirandava. Nem uma hora decorrida de viagem e eis que é despertada para um pneu que rebenta em plena auto-estrada. Astuta e ágil saiu para ver o que se passava. Felizmente, fora um mero pneu traseiro, que não causara mossa nenhuma, a nenhum dos ocupantes. Para não se perder tempo na viagem, alguns dos passageiros foram distribuídos pelos outros dois autocarros. Ela foi também.

Dos lugares vagos, a escolha não era imensa, mas mesmo assim acomodou-se ao lado do Sr. Manuel, largado pela viuvez. Afável, como só ela, o sono havia ficado para trás, junto daquele pneu rompido. Cortando, o silêncio, o Sr. Manuel disse para um casal que ia na sua frente, “os jovens não querem ouvir os velhos”, prontamente, a ‘intrometida’ menina responde que queria! Levou de imediato com uma aula de geografia que contava os outros caminhos transversais à auto-estrada. Manuel era natural do concelho de Amares, Braga. Disse ele que nascera no rio – o Cávado – há muitos anos atrás. Confidenciou-lhe que na sua infância não saiam da água do rio e que talvez por isso, até hoje não saiba ler.

Passada a fronteira, havia uma terriola muito próxima, cuja padroeira era a Imaculada Conceição. Na igreja, houve uma pequena celebração eucarística, à qual a maior parte dos idosos não quis faltar.

No final, a Avé-Maria ecoava majestosamente naquela abadia. E, a dona Maria Odete abraça-se e dá dois beijos a Corina, pois esta tinha-a acautelado e ao marido para uns bancos que não ofereciam grande segurança, e diz-lhe: “Muito prazer, em conhecê-la”, em lágrimas. A menina comoveu-se. Num ápice, apresentou-lhe o marido. Tinha-se dado mais um enlace de amizade.

De regresso à companhia do Sr. Manuel – ele que disse que não deixava o carro partir sem Corina – e na espera pela partida, a menina escuta a incredulidade: “Ontem tocou o sino!”. – Dizia a senhora do casal que seguia na frente dos dois, enquanto tentavam achar a resposta menos óbvia possível. Enquanto a dúvida pairava equacionavam-se algumas hipóteses. “A esposa já faleceu e ele foi para o hospital, estará vivo ou morto, terá sido ele?” Não houve respostas conclusivas, no entanto, eram transparentes aquelas incertezas, conversas de quem nada espera dum tempo em ‘reduzido’ contra-relógio.

As farpelas ou roupas de ‘domingo’, os sapatos novos ou o farnel exibiam-se imodestamente. Mesmo assim, por detrás de toda essa confiança, por diversas vezes a idade impacientava-se! [E de que maneira!]

Sempre que se desloca ao estrangeiro, a assistente social, recorda sempre as palavras de desânimo do seu professor de faculdade, que uma vez numa aula tornou pública, a decepção que teve na primeira saída do país. Ao que parece, do outro lado da fronteira, era tudo mais ou menos igual. Neste caso, só se ouve falar ‘estranho’! Sorrindo, ouve quem coincidentemente lhe lera os pensamentos. “Afinal isto é igual a Portugal. Não vale a pena vir a Espanha”, disse o Sr. Manuel corroborando, a anterior tese do professor.

O dia estava tão cinzento, que as gotas de S. Pedro acabaram por cair… Mas mal se ouviam. A banda sonora do autocarro tinha música! A banda sonora tinha um ritmo de canção popular portuguesa! Com interpretação feminina. Instrumentos principais: acordeão e pandeireta. Podia dizer-se que como presente estava o cantor Nelo Silva, que a música pertencia à filha Cristiana, mas Corina, não quis pertencer ao grupo da ‘má língua’, por um lado porque não sabe se a filha ainda canta e por outro, porque não reconhecia o reportório da criatura nem de fio nem a pavio! O Sr. Manuel ainda comentou se não seria a Mónica Sintra a cantar, mas a dúvida ficou no ar, mesmo tendo a mesma cassete ou CD rodado pelo menos três vezes.

Pelas amplas janelas via-se a baía de Vigo, qual cenário idílico de paraíso que se avistava! O tempo tinha aberto. Vigo continuava em forma.

Chegou a hora do almoço, já em Portugal, numa Quinta, em Vila Praia de Âncora. A confraternização ia durar, além da comida que ia sendo servida. Em simultâneo, havia música para ‘bailar’. Corina teve vários convites para dançar, mas não aceitou nenhum para ninguém ficar triste. Eram muitos candidatos! E o ‘peso’ do sono, ainda nela pesava, passe a redundância.

Quando foi conhecer a quinta, o ar puro trouxe-lhe um dejecto de ave… Não se percebe muito bem porque é que os passarinhos se aviam com tanta liberdade e quem anda cá por baixo está sempre a jeito e sujeito!

O convívio durou até ao entardecer e era evidente a satisfação que não se consegue esconder, por mais que se queira, aqueles diálogos imprevistos, as conversas tontas, as histórias que se reencontravam e ganhavam de novo vida nas suas vozes, as dores da alma que se esvaziavam. E os sorrisos no rosto gritavam liberdade, depois da opressão de sabe-se lá quantos dias ou meses de isolamento… (E, quantos mais viriam?!)

“Um sorriso é a curva mais bonita no corpo de qualquer pessoa.” Ali, a tese pôde comprovar-se! Um dia admirável, para aquela menina que subiu as escadas do autocarro a correr para se despedir do Sr. Manuel. Iam regressar a casa. E ela já podia voltar no autocarro que inicialmente lhe estava destinado. Já estava arranjado. E sim, o Sr. Manuel não ia deixar o motorista partir, sem ela.

31 agosto 2012

Luzes de Amor...


E é quando a noite se acalma e abranda o ritmo dos sonhos, dos que ainda se dedicam a colorir o sono… Que sopra lá fora em deleite único, aquela lua em que cada uma das suas fases se enche de luz, para iluminar a escuridão encrespada e dissimulada da solidão.

As sombras formam a violência dos gritos inflamados de vozes que já há muito deixaram de ser ouvidas.

Hoje são meros vultos de gemidos de mulher, encostados na rua, alguns sem vida ou sorte, que é como quem diz, alternativa.

Aperta-me a evidência da desigualdade. Faz-me agradecer todos os dias todo o amor que me consola as lágrimas das dores, que sempre julgamos as maiores.

Qualquer lamento é vadio, só, puro... Chega de chorar as águas da incompreensão. Voltarei tolerante. Transeunte de uma alma que quero viver e respeitar, enquanto chave mestra das respostas mais dúbias… Mais verdadeiras... Mas sempre sinceras.

31 julho 2012

7 Anos em Imagens de Palavras!!

Passam hoje 7 anos de palavras e imagens que transbordam uma alma de pássaro...
Que grande 31 (de Julho)!!! 
Desde 2005 a criar... 
A todos quantos me acompanham neste recanto: 
Um majestoso Obrigada!!!

08 junho 2012

Pacífico oceano despido




























Trazes no olhar uma noite de mar de tormentas, talvez o oceano que sendo o maior, se chama pacífico e, que em profundidade, te atravessa até à mais íntima e peculiar partícula de vida que deixas resistir. Um desassossego que te envolve o espírito em asas díspares de anjos negros, miscigenados de serenidade. Nestas noites, a ansiedade que te perturba encolhe-te a alma que se asfixia na cor que os dias trazem sempre que o sol arde na tua pele imaculada e nua.

Mas os teus olhos apenas têm o lacrimejar do atlântico, um défice que atinge menos de metade de um pacífico. Nunca os olhos choram as mesmas lágrimas, nem em igual proporção. A exactidão da matemática confirma isso. Se bem que já não são tão passíveis de controlo as variáveis que se podem manipular. E entre a indefinição em potência e os números absolutos, escorrem rios para mares nunca antes navegados, mas onde se impõe a descoberta.

Os acordes da melancolia de temas que versam estórias, retrucam melodias que acolhem passados, autênticos museus da memória que introduzimos voluntariamente e revisitamos vezes sem conta, quando o medo – em segredo – é mais subtil e não menos preterido de ser assumido.

Entoam laivos de murmúrios entre espécies complementares. Não são mais do que refúgios trasvestidos, asilos elementares. As palavras adormecem em gemidos que anoitecem na vaga luz que se apaga. As ondas repousam penetrando a insónia pré-estabelecida. Na noite, enleiam-se os sonhos que despertam a vida por viver.

O futuro existe. Falta apenas reconhecer…

Se a vida que este mundo tem, acolhe a quimera e a faz crescer.

30 maio 2012

Terrenos (in)fertéis?!

É perigoso viver de ilusões. É um terreno (in)fértil. Temeroso. Se se pisa sem cuidado, qual mina disparada em potência destrutiva…

Sempre gostei de corações verdadeiros. Daqueles que num piscar de olhos nos arrebatam a alma e nos prendem para sempre. E em jeito de contraditório sei que quando os meus braços não alcançam as pessoas que estão dentro do meu coração, as abraço, as acarinho, afagando-lhes os fios de cabelo no pensamento. E quantas recordações acordam e me aquecem a vontade de as reviver como se da primeira vez se tratasse?

Nos teus olhos vejo a (in)quietude da enfermidade. A Madre Teresa dizia que a maior enfermidade que podia existir era não ser ninguém, para ninguém… Será isso alguma vez possível? Existirá solidão tamanha capaz de uma tão vil rejeição? Que crueza!

Mas tu existes. Enfermo. Mas existes. Desligas-te das vozes que já nada te dizem, mas elas ainda ecoam vulgarmente, dispersas, aturdidas. Encontram-te exasperado e sem sujeito e sem predicado. Chamam-lhes ataques de ‘falsa bandeira’. Têm tanto de acessíveis quanto de demagogos.

A guerra prepara as armas. Mas és tu que estás na mira. O campo de batalha é um fardo que carregas. Peso que a inoperância adversária provocou. O conflito instala-se.

Silêncio. Queres ouvir o respirar do inimigo que te persegue o espírito. Aos sentidos apenas te socorre o suave perfume do jasmim em plena ocidental praia lusitana, em versão camoniana.

Rosa-dos-ventos. Nome de fêmea. Só podia soprar-te ao ouvido a beleza e a essência de jasmim, em ritual de encantamento. Impune, desligas todos os sentidos e rendes-te ao que te traz Kama, o deus do amor (indiano): setas atiradas com flores de jasmim.

Quanta candura estoica.
Quanta brandura irreversível.
Quanta paixão elencada na sublimação elementar da vida [o sonho].
Quantas esperanças ilusórias.
Suadas e contrafeitas…
São as feridas cicatrizadas que constroem vitórias.

30 abril 2012

29 março 2012

A (com)paixão


























"Não costumo acreditar muito nos sonhos... porque de todos se acorda." [Florbela Espanca] Se bem que o senhor Walt Disney também dizia que se eles [os sonhos] existem é porque podem tornar-se realidade. Mesmo assim, dou-lhe razão Florbela, invariavelmente há sempre um toque perverso nas expectativas que são mais valorizadas do que os momentos de encantamento da experiência de um sonho. Existirá sempre essa contrariedade para nos destituir do que poderia ter apenas uma leitura, a mais doce.
Esvaziam-se as réstias de força, procuram-se caminhos directos e respostas afirmativas.
Em uníssono abraçam-se as forças até que elas se fundam na alma.
O véu que a encobre precisa de uma mutação de cor. O negro fúnebre soturno tem que ser despido de vez.
A luz clara da manhã de sol, aquecia-lhe o corpo inanimado e vertido no chão…
Quem lhe sacode as réstias de vida? Quem lhe diz que se deixou adormecer e que o que viveu foram meras ilusões dum sonho mau?
Acerque-se o instante libertador que ecoa paz e tréguas com a vida, para que se equilibre os sonhos nesta realidade, sem contágios.
Quantos nos olham e não nos vêem?
Quantos nos tocam e não nos sentem?
Quantas relações apavoram duas pessoas que se isolam em si?
Qual o tempo do amor? Apenas no sabor dos sonhos se degustam as boas memórias?
Há tanto de inexplicável que talvez seja mesmo esse o magnetismo da sua essência. Um coração pode até ser quebrado, mas ele continuará a bater do mesmo jeito. Ao que se chega, não é?
A rendição vai para o equilíbrio díspar de trocas de dádivas, onde se partilham os sonhos que nos fazem sentir um contágio perene por essa ‘poção mágica’: a (com)paixão pelo amor.

12 março 2012

Literatura sem cordel











Acomode-se na estante o livro humano que se esgotou no tempo e, que com esse mesmo tempo multiplicado, se acabou por criar o hábito de o ignorar. É tal a estranheza que se cria em torno de um submundo que se apagou?! Mas num breve acto disse-se adeus. Foi rápido.
Lá se foram aquelas mensagens que emaranhavam palavras e vidas.
O surreal de cada existência não é mais que a realidade que atravessa cada um. Inventam-se amores, que nascem como flores primaveris na bagunça de pensamentos que adormecem e abruptamente irrompem, sem a vassalagem de um guarda-portão.
Apetecia-me tomar a liberdade de pedir uma mentira bonita para voltar a sonhar. Quanto atrevimento…
Mensageiros de paz. Vozes ocas e omnipresentes. Presenças transparentes e invisíveis.
Não tenho tido tempo para vós, admito. Como almejo conhecer-vos nas vossas palavras?!
A quem escrevem quando choram? Ainda se escrevem cartas de amor?
Se nascemos sozinhos, se vivemos sozinhos, o que conhecemos mais de perto é a sombra da solidão. Portanto, desate-se a berrar para dentro até se encontrar um eco disponível, em surto de impaciência… Afinal, no teatro do poder todos são formandos em artes cínicas. Esquecem-se indefinidamente que “palavra é igual a oração. Tem que ser inteira, se não perde a força”. [Fernanda Mello] E, nestas paixões, já não há tempo para amar em silêncio, nem gosto.
“Tropeço de ternura por ti.” Dizes em tom de vassalagem sobre o desejo que preenche o brilho do olhar… Como é que se rouba o brilho das estrelas e este se plasma nos teus olhos?
Puro enxovalho, em que me excluo de sentir, sentindo.
Que massacre. Sinto. Não sinto. Sinto, pois! Mas é um sentir de retaguarda (anulada). Silencioso. Em jeito de fuga austera!
Ai, esta névoa que me encerra os sentidos. Que propicia a intolerância de tudo quanto me desperta para a vida e que tenho que ocultar, sob a pena de sentir duas vezes. Não farei mais cálculos. Um conselho, nunca olhe para trás, sem antes virar o pescoço!

17 fevereiro 2012

Fragilidades do 'Agora'























É frágil a vida que me abarca. Corre a passos largos. Como um mar que avista a praia e se retrai nas ondas que depressa avançam e logo recuam, amedrontadas pela vaga de secura em que se podem transformar. Será assim que a água dos mares desaparece? Dever-se-á a essa claustrofobia da espuma que delimita em múltiplos contornos a areia salgada? Ou à singela evaporação por entre os grãos sedentos de sal?

A satisfação duns e a suspeição d’ outros. Os ingratos papéis das questões absolutas no seu esplendor.

É mais fácil perpetrar no balanço das ancas que escorrem o sexo desenfreado, que assumir a aurora.
“Somos atraídos para a escuridão, como as traças pelas chamas.” [Denise Hamilton] Num misto de fascínio e mistério, sem reações conclusivas. A noite sempre atraiu todos os sôfregos que se amam. É como se se alcançassem as estrelas e se possuísse a Via Láctea. É como se se equilibrassem arranha-céus em formas aleatórias. É não ter tempo para sorver a respiração alheia. É a paixão a expandir o seu próprio veneno em gotas que se evaporam no líquido encarnado que nos socorre. É estranhar o que de tão entranhado se apoderou do profano consciente. Qual droga potencia esta envolvência sem limites?

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” [Fernando Pessoa]

São estas fragilidades que autenticam que é tempo de abandonar a tendência de ver viver os outros. Viver é outra coisa.

Por mais séria que pareça a adversidade aguentar a dor é fortalecer. Desistir é adiar a questão. É necessária muita força. A que temos e a que nunca julgamos ter. É como se alguém alguma vez tivesse determinado que tudo iria acabar assim. E, dessa forma, ofendem-nos constrangedoramente. Sabem mais do que alguma vez soubemos.

Qual a porta de acesso a essa sabedoria?

A vida.

Promova-se, então, a vida em todas as suas esferas!

17 janeiro 2012

Metades do mesmo reflexo...


























E se se pegasse em palavras e se desconstruísse o mundo? Sobrariam palavras e o mundo continuaria intacto nos seus trejeitos espinhosos. E correr-se-ia o risco de ainda assim alguém se calar, mesmo neste clima de liberdade de expressão extensiva.
E, estou em crer que se se verbalizassem todos os pensamentos, encontrar-se-ia finalmente um infindável manto de verdades assumidas ‘obscuramente’.
Os avanços catapultaram a veleidade da ampliação do real. A frieza ‘a quanto obrigas’ nas mais expostas condições. Se bem que inversamente a realidade também é apetecível e coexistirá… Quanto mais nos julgamos protegidos pelas ferramentas que nos acercam, mais fragilizados penetramos na insatisfação de digerir as verdades nas quais nos apoiamos. E até quando serão as nossas verdades? Até quando recriaremos cenários que consideramos tão nossos, quanto a desordem do caos que não queremos assumir?
Os fins são invariavelmente enormes começos. Que o diga quem após grandes pontos finais se sentiu renovado pelo despejo das agonias que tanto dilaceravam a postura mais destemida e encoberta de um ser que se ocultou e se auto-excluiu de viver.
Escuta-se o som do desmantelamento da tela mais perfeita, só porque dizem que a perfeição não existe... O relativismo sempre foi tão apoteótico quanto inexistente nas mentes inconsistentes. E o temor um verdadeiro entusiasta da existência.
Perdeu-se do seu corpo ou encontrou-se com a alma? O corpo nunca se perde, já o mesmo, não se pode dizer da alma… Que se compromete ao transbordar paixões tão autênticas quanto desavindas?!
E os números? Aqueles que viram palavras que quantificam e prontificam a incomensurável relação que se subtrai sempre que se contam as pausas dos silêncios…
Acho que o frio veio para ficar… para consolar o adeus que fica.
Os silêncios aterradores são veículo de palavras descaracterizadas ou não identificadas. Passam a ser momentos tenebrosos, insuportáveis, de palpitações ofegantes em que o coração bate desajeitadamente em colapso iminente.
Perdi-me de ti. Partiste mais cedo. Fica o teu silêncio. Fica o meu pranto. Fica o Adeus, talvez distante. Até já… Até sempre…
A memória será sempre tão intensamente tua e a saudade, proporcionalmente solitária.

«Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria solidão, continuaremos a buscar-nos noutras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.»
Fernando Pessoa

19 dezembro 2011

Feridas Expostas XI: Raízes de Amor



















Este ano, Madalena inovou no que às decorações natalícias diz respeito. Quis enfeitar um pinheiro natural. Há três anos atrás, numa feira sobre agricultura ofereceram-lhe um pinheiro manso bebé. Era pequeno e muito frágil. Trouxe-o com o máximo cuidado até casa, pois não queria comprometer a sua sobrevivência. O pinheirinho tinha raízes jovens e muito delicadas, por isso nada impedia que aquela arvorezinha um dia pudesse ser a árvore de Natal daquele lar…
Dizem que para se ser completo, “se deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho”, se bem que a ordem de ocorrência de cada momento seja aleatória. A Madalena, já só faltava escrever o livro…
Quando chegou a casa procurou no jardim um lugar de destaque, mas também que fosse protegido para que os dias de mau tempo não perturbassem o seu crescimento e saúde. Diariamente acompanhava o seu desenvolvimento… Não é à toa que todas as formas de vida têm inevitavelmente um passado. Todos os seres vivos têm sempre algo para contar.
E, foi nessa mescla de pensamentos filosóficos que Madalena embarcou na letargia das introspecções de fim de ano. Acocorou-se, sentindo aquele friozinho do inverno, perfumado pelo odor a terra húmida. Estava um pouco perdida, como deveria ornamentar ela aquele pedaço de vida?
Já longe, em pensamentos, tentou analisar o ano que passara tentando recordar os pontos fortes, os pontos fracos, as ameaças e as oportunidades surgidas, como se duma análise SWOT se tratasse… A marketeer, sempre soube que o marketing podia ser usado nos mais inusitados e múltiplos contextos! Sabia também que não queria reviver os pesadelos que tanto a marcaram no ano, optou por demarcar pontos coerentes e positivos seus e das pessoas que deambulam no seu dia-a-dia.
Dispersa nas memórias, foi mais longe, lembrou-se da infância feliz que já largara há duas décadas, sobretudo das luzes que brilhavam no seu olhar, das emoções que sentia na quadra natalícia, com a família toda reunida, casa cheia, os doces, as brincadeiras, os presentes que adorava e os que não dava grande importância… Que submundo foi ela despertar…?!
Depois, mais crescida, recordou como as suas prioridades mudaram, isto é, já não queria os ‘presentes-brinquedo’ preferia escolher o que lhe fazia falta naquele momento e expor directamente ao “Pai Natal”!
Hoje, nos seus 37 anos já não pede nada que venha embrulhado. Pede a saúde, a paz, a alegria, a solidariedade e o amor de todos e para todos, quantos a rodeiam. É admirável, como cada idade tem ideais tão distintos.
É ainda nesse desaguar de memórias, que lhe veio à lembrança um ente querido, que já partira. Madalena devia ter onze ou doze anos.
Era véspera de Natal estava ela e o avô na sala de jantar. Ligara-se o aquecedor para aquecer a atmosfera! Madalena terminava de pôr a mesa. E, como a programação televisiva era desinteressante, a menina lembrou-se de pegar numa cassete verde duma colecção da Walt Disney, que continha contos infantis e pô-la no aparelho de som a tocar: «O Natal do Tio Patinhas» da Editora Abril (1978). Era um conto de Natal de cerca de dez minutos, com o Zezinho, o Huguinho e o Luizinho, sobrinhos do Donald e o ‘carrancudo’ Tio Patinhas. Resumidamente, a história conta a mudança de atitude do Tio Patinhas face ao Natal, quando este diz não querer saber da quadra e vai para casa sozinho. Os sobrinhos não querendo que ele passe o Natal sozinho, mascaram-se de “Espíritos de Natal do «presente», do «passado» e do «futuro»”. Nesta abordagem acabam por conseguir amolecer o coração do velho Patinhas. Acompanhado por um ‘espírito’ é levado ‘sem querer’ até casa de Donald, juntando-se assim à comemoração do Natal em Família.
Entre músicas natalícias infantis e a narração da própria história, Madalena olhava o avô, que deixara cair algumas lágrimas, comovido, por aquele momento tão especial que a neta lhe proporcionara. Os dois escutaram atentamente toda a história. Era notável aquela cumplicidade, aquele laço. Ela adorava o avô.
Quando finalmente voltou a si, um pouco nostálgica e melancólica, decidiu homenagear naquela árvore o avô, sendo a partir daquele momento o elo de ligação e de recordação entre os dois.
Colocou luzes e alguns enfeites natalícios. O resultado era brilhante. Estava belíssima. Afinal, tudo o que é feito com amor tem esse dom de perfeição…
É inevitável que cada vida seja um almanaque de estórias, que um dia se vai perder. Quantas histórias se (r)escrevem ao longo da vida? E, quanta vida se reinventa, na magnitude da sobrevivência…?
Apesar do passado trazer os mais múltiplos sabores de estados de vida, revolver e resolver o passado é, muitas vezes, a única forma de aperfeiçoar e alcançar o futuro. Mas estará este último comprometido?
Há quem desista todos os dias. Há, por outro lado, quem desperte para a vida todos os dias. Há quem apenas sobreviva mais um dia…
É sempre tudo uma questão de tempo.
Talvez um dia, aquele pinheiro sobreviva a Madalena. Quiçá?!
Carpe Diem.
Festas Felizes!!

30 novembro 2011

Dizem por aí…!























Começar de novo é ser-se o centro da própria vida. Sem que resultem antagonismos.
É tomar a iniciativa. É iniciar projectos. É fazer novos contactos.
É canalizar da melhor forma os fluxos (em potência) de energia e entusiasmo.
“Não há derrota que derrote quem nasceu para vencer.” L. Ron Hubbard estava certo, ao sublinhá-lo!
“Todos os homens são feitos do mesmo barro, mas não do mesmo molde.” Também este provérbio Mexicano vem demonstrar, claramente os altos e baixos da escalada da vida. Uma montanha, cuja panorâmica pode ser a que quisermos, se nos forçarmos a abrir os olhos para a contemplar.
Viver em angústia não é viver… Por isso, confia-se em última instância no futuro…
Novas tomadas de consciência, testes aos níveis de tolerância e corações limpos… Precisam-se!
Quanto ao resto, como diria alguém, ninguém nunca precisou de restos para ser feliz e sobreviver!
Quantas vezes se poupa nas palavras, mas ainda assim, não se poupou na voz?
Quantos se darão conta que o presente tem a ilusória duração do instante em que cobardemente passa? (Parafraseando Mario Quintanatwi em “A idade de ser feliz”…)
Se as pessoas arranjam todos os dias o cabelo, porque não o coração? (Provérbio Chinês)
Talvez seja este um momento privilegiado para rever prioridades e, alterar rotas, se necessário.
Afinal, temos ao nosso dispor a energia necessária para alcançar tudo o que mais desejamos.
Como? Terminando processos.

José S., aparece mais vezes!


















Apetecia-me passar a tarde com o José Saramago, ele ao almoço começou a contar-me “As pequenas memórias”… E não é todos os dias que ele se disponibiliza a este nível… Mas só damos conta que o tempo é curto quando não o vemos passar… E, devo confidenciar que esse sentimento é uma imperecível delícia.
Para que se inventaram os horários de trabalho fixos? Fazia-se uma pausa maior, e seguidamente o trabalho fluiria bem melhor, com produtividade ao mais alto nível. Além de que não é um escritor qualquer! Eventualmente, o mau gosto literário podia ser factor eliminatório … Também discutível… Porque os gostos são relativos, e tudo o que é editado, a bem dos seus escritores, é suposto ter aceitação junto do público. Entre minorias e maiorias alguém se há-de salvar, esperemos que o ‘ou não’ não seja condição... Até porque pertencer ou não pertencer ao arquivo morto (e enterrado) eis a questão?! É que os conteúdos determinam a afectação a uma crise de cérebros, distracção, mentalidades estupidificadas abruptamente… Ou talvez uma concentração desconcentrada (para redundar tanto para o lado positivo, como para o negativo… Diz que há sempre quem goste!)
Mas voltando àquele pequeno ‘memorial’ envolvente, acho que o que é mais surpreendente não é o retrato das recordações, mas o revisitar de um tempo e de um espaço que juntos parecem horizontes longínquos mas, que estão ‘aqui’ tão perto… Certos momentos parecem amovíveis e desfasados da história, só que acabam por enveredar por um realismo descritivo que tem tanto de notável como de irresistível…
Afinal é o Prémio Nobel e, com a sua longevidade e genialidade traz-me muito mais do que simples e pequenas memórias…
Das veredas às calçadas, dos carreiros à estrada… Qual GPS em plena descoberta do passado… [A invenção GPS de rotas ‘passadas’ seria uma aplicação bem gira para quem quisesse revisitar o passado, no ‘hoje’…] (p. s. – Se já existe, alerto para a minha total ignorância nesta matéria! Ah, e já que a tecnologia de ponta GPS - Sistema de Posicionamento Global - vai a todo o lado, porque não fazer-se um GPS para carteiras de mulher? Ok. Eu paro. Basta de disparatar…)
Saudosismos tolos, bem sei! É que apesar de estar satisfeita com os avanços e o conforto do ‘hoje’, tenho curiosas perguntas sobre os meandros da existência humana no passado…
Bem, lá terei que recorrer à imaginação e projectar algumas ideias. É que os relatos históricos não mencionam certos pormenores passíveis de serem comparados à actualidade. (Manias de jornalista…)

04 novembro 2011

Sem mais delongas

























Captamos os olhares que se cruzam com o nosso, alcançando novas perspectivas. Depois é só aguardar que o encantamento vire epidemia e contagie os que se afigurem por perto…
O momento é de respirar e de irradiar amor. É essa a sensação inesgotável que me encerra…
Somos existências desejadas, seja em presença efectiva, seja em sombra escalonada…
Amar é a melhor manifestação de que estamos mais vivos que nunca.
O amor é tremendamente revigorante e não menos contagioso. [Quanta dependência se cria…] Monitoriza, magnetiza e perturba o mundo, mas dessas perturbações e revoluções sabemos bem, que delas precisamos em série...
Deve ser por isso que não te cansas de correr, de morrer, de renascer e de ser mais real que a vida, ultrapassando o mundo dos sonhos. Fazes-me amar-te todos os dias um pouco mais. És um vício que eu não me importo que me contagie visceralmente! Afinal, só somos dependentes de boas tentações...
A Ana Carolina canta em «Entre Nós Dois»: “E cada vez que eu fujo, eu m’ aproximo mais…” E Ana asseguro-lhe que tocou na ferida: xeque-mate!
Tudo o que é errado tem uma maior facilidade e/ou fatalidade de ocorrência. Existiremos sempre predispostos a errar…
“A paixão é a moral da poesia”, e Herberto Helder percebia seriamente do fenómeno.
E, pensar que tudo se tem passado em meros olhares que se cruzam, trespassando-se despreocupadamente e desatinadamente um no outro.
É como se me reencontrasse numa narrativa própria e me reescrevesse encontrando outras formas de linguagem, sendo que o meu único preciosismo seria ir dormir a sonhar... Ser a bela adormecida dos meus contos efabulados.
É o amor. É o amor que nos traz essa paz meticulosa mesmo que só tenhamos lugar para amar, sem sermos amados. É aí que reside o lugar deste mundo. É esse o gelo que é preciso quebrar. Sem quaisquer expectativas… só assim quebraremos o gelo dessa incapacidade para nos metamorfosearmos de seres humanos melhores.
É essa abertura ao novo, que nos assegura a insegurança que somos enquanto seres susceptíveis ao sentimento.
E posso dizer que te amo sempre mais do que as medidas possam quantificar.
Fazes-me feliz em toda a perspectiva incorpórea que sou obrigada a usar de ti.

28 outubro 2011

Antagonismo Puro


Antagonismo puro.
Imaginar que alguém vai gostar da montanha russa que representas enquanto ser humano. (E não é necessário que se seja especificamente desequilibrado. Seria deselegante até, considerá-lo. Uma autêntica brutalidade.)
Antagonismo puro.
Pensar que somos actores e actrizes das palavras que escrevemos ou das que enunciamos. Quando somos emissor e receptor em uníssono apenas com o olhar.
Antagonismo puro.
Suspirar pelos milagres que não acontecem, justamente porque a incredulidade é sempre mais digna e menos subliminar.
Antagonismo puro.
Dizer que somos parte do problema, quando tentamos ser solução pela via da força de vontade que se delineia pelo ângulo resolutivo da questão.
Antagonismo puro.
Procurar nos sonhos, uma feliz coincidência com a realidade.
Antagonismo puro.
Verificar que aquilo que tanto desejamos, um dia será a nossa verdade mais realista.
Antagonismo puro.
Perpetuar no saber os nossos enganos, que de tão vãos e tolos, nada acrescentam à saciedade do conhecimento.
Antagonismo puro.
Desleixar a existência pela vida que se esfuma todos os dias.
Antagonismo puro.
Acreditar que as amarguras são a magia negra de sentir e que de tão enraizadas, não podem ser contrariadas…
Antagonismo puro.
Pôr mãos à obra, sem obra e sem dignidade.
Antagonismo puro.
Esperar que os pontos finais deixem de existir e se enquadrem por defeito em reticências, que não trazem nada de novo.
Antagonismo puro.
Calcorrear o universo dos sonhos, descalço e com os pés no limiar do abismo.
Antagonismo puro.
A subserviência.
Antagonismo puro.
O rigor.
Antagonismo puro.
A displicência.
Antagonismo puro.
A sabedoria.
Antagonismo puro.
O relativismo.
Impuro antagonismo…

12 outubro 2011

Circo do Amanhã









E após sucessivas cambalhotas, o colapso continua iminente. A indiferença é vedada pela minuciosa atenção que se presta aos senhores que melhor promovem o espectáculo: os artistas do trapézio. Um deslize e escreve-se o ponto final. [Porque é que isto não pode acontecer com os ‘profissionais’ da política? Não seria mais razoável para eles que fazem outro tipo de acrobacias sem risco físico?]
Indiferença? Remeto-a toda para as actuações dos palhaços que cambaleiam e protelam a sessão de circo, absolutamente dispensáveis, não?!
Adiante, não me lembro de alguma vez os ter apreciado em prestações na arena. Sim. Provocam-me esse desconforto. O meu pai sempre opinou que os palhaços têm a profissão mais dura e mais difícil do mundo: fazer rir. E esta actividade lá terá que ser providenciada, independentemente do estado de espírito da criatura humana por trás das coloridas expressões e desleixadas vestes.
Ao que tudo indica, no palco, as mágoas ficam escondidas no xadrez escuro do oco enquadramento das luzes que acompanham a figura, o que me faz acreditar que o palco será um bom escape, da mesma forma que será um dos melhores refúgios pelo menos até se fechar o pano e eclodir a névoa negra, sem o som dos gritos mais efusivos ou dos aplausos sempre reconfortantes… Nos filmes seria, no limite, comparável a uma cena de despedida, em que sob a voz do extinto Barry White no mítico Let’s Just Kiss and Say Goodbye, (mal sabia o senhor que iria ficar reconhecido, entre outras, por uma canção de despedida) dois apaixonados se tentam desfazer do sentimento, com o afastamento dos corpos na distância. Não chega a ser uma despedida razoável com direito a lágrimas, tristeza, e sonoro aplicado… Só que a mim me parece que até à data somente a morte é a única invenção intocável… Por isso, para quê despedidas? Prefiro sempre os ‘Até breve!’
Não gosto de palhaços. Apesar de os considerar, não consigo a animosidade suficiente para declarar que lhes acho piada, porque estaria obviamente a mentir. Dou-me mais com as feras e suas exuberâncias clandestinas. Fascínios pelo desviante, pelo intocável. É por isso que prefiro a magia que me palpita no peito, quando os trapezistas fazem jogos de equilíbrio. Não se me detém a mira até à última pirueta, sustenho a respiração a cada movimento mais imprevisto… As pulsações disparam em catadupa. Que maravilha! Quanta beleza inquantificável e inqualificável transposta em corpos, em movimentos, em arte… Em respostas instantâneas…
Após a temporada, desmonta-se a tenda e a ‘ala’ é de marcha para uma qualquer terriola que se deixe invadir pela arte circense.
São artistas que estão sempre de partida, o que numa visão redutora, me deixa apreensiva. Porquê? Porque tudo na vida é cíclico e dura pouco tempo, esta última parte pode perceber-se melhor, quando arrumamos mentalmente o nosso passado e o remexemos por momentos.
Na vida, o mais próximo que temos é sempre a ilusão que nos conduz ao intransponível. Se não tivesse o ilusionismo como a arte de promover jogos de óptica, essencialmente, admitia que fosse uma actividade sujeita a ser instituída como parte integrante de qualquer currículo formativo. É que só mesmo a magia poderia inverter os sentimentos desconfortáveis a que as populações estão votadas. E in extremis acabar-se-ia com a tenebrosidade que o amanhã provoca.

21 setembro 2011

Feridas Expostas [X]



















É um entra e sai que não há memória.
É um desgaste mais impróprio para consumo que mais parece que o ar deixou de estar poluído, para se incrustar no peito.
Nunca dantes o seu coração batera tão forte, de ansiedade, angústia, desespero, tristeza, vazio…?! Vá lá que ainda não desistira de bater. Perdera-se do rumo traçado depois de tantas fatalidades imberbes.
E, neste caso as novidades só vinham transportar a alma, por defeito, para uma cada vez mais sepulcral prisão.
Desengane-se quem ache que o coração não falece de dor, de tristeza, de desilusão… Morre muito mais do que se parasse de bater…
Lídia travara desde que se conhecia batalhas duríssimas.
E estava disposta, a qualquer custo, a destruir qualquer desânimo. Aliás, tudo o que se lhe afigurasse de carácter negativo teria que ser banido de vez da sua vida.
Nela, já não havia espaço para rancores ou falsas propensões para indefinições dos seres (des)humanos…
Com esta selecção (des)cuidada, sentia-se mais sóbria, mais serena, mais entusiasta da vida. Acabara-se o corpo presente em serviço de ambulatório.
As vertigens do mundo já não a atrapalhavam… Ganhara um caminho interminável cuja orientação era em frente, sem medo das tonturas que um andar mais perto das nuvens provoca…
Lídia, através de uma mudança de atitude perante a sua vida, tinha-se livrado do sentimento de marioneta moribunda, presa entre o mundo exterior e a palma das suas mãos…
Enfim, é sempre mais fácil perder o que de essência nunca se teve!
No início da sua transformação, meditava o porquê das bolas de sabão terem uma vida tão curta… Quanta beleza subjugada…!
E por falar em beleza, André chegara das aulas para lhe trazer sorrisos. O sol como ainda brilhava naquele fim de tarde, convidava Lídia a levar o miúdo a passear. Era o passatempo favorito de André, segurar a mão da mãe e calcorrear um qualquer caminho que se delineasse atravessar…
Com o anoitecer, o vento massajava-lhe a pele com displicência…
É o bom que a Natureza tem. Espraia os fios de cabelo e recolhe as (ex)tensões que atrapalham o dia-a-dia…
André acompanhava a mãe dando-lhe a pequena mão, num aperto de mão firme e ternurento…
Aquele momento tinha tanto de individual quanto de plural…
Tanto de solenidade etérea, quanto de encantamento perene…
O tempo e o espaço ficavam abandonados por completo, porque aquele era um momento metafísico de restituição umbilical…!
André tinha 9 anos e era um rapazinho amoroso. Na boca faltavam-lhe alguns dentinhos, mas não deixava de sorrir para quem o fazia feliz…
No percurso escolhido, não houve tempo para distracções, pelo menos até o telemóvel tocar numa pacata melodia. Era Jorge, o companheiro de vida, de alma, do amor que desde sempre decidiram partilhar… Acabara de chegar a casa e as saudades dos seus dois amores eram gigantescas...
Aprontara-se e correu ao encontro das duas criaturas da sua vida!
Jorge e Lídia formavam um casal feliz cujo lema sempre foi o de respeitar duas características basilares: ser-se sempre único e individual. Afinal, eram duas personalidades fortes unidas. Houve tempos em que estiveram mais exaltadas, mas sempre que alguma se retraía, a outra, desafiava-a a despertar e consequentemente a erguer-se, sempre numa luta comum. É na inversão de estados de espírito e na mútua harmonia que transpõe os desafios que todos os dias se apresentam, que reside o segredo de uma vida a dois…