28 outubro 2011

Antagonismo Puro


Antagonismo puro.
Imaginar que alguém vai gostar da montanha russa que representas enquanto ser humano. (E não é necessário que se seja especificamente desequilibrado. Seria deselegante até, considerá-lo. Uma autêntica brutalidade.)
Antagonismo puro.
Pensar que somos actores e actrizes das palavras que escrevemos ou das que enunciamos. Quando somos emissor e receptor em uníssono apenas com o olhar.
Antagonismo puro.
Suspirar pelos milagres que não acontecem, justamente porque a incredulidade é sempre mais digna e menos subliminar.
Antagonismo puro.
Dizer que somos parte do problema, quando tentamos ser solução pela via da força de vontade que se delineia pelo ângulo resolutivo da questão.
Antagonismo puro.
Procurar nos sonhos, uma feliz coincidência com a realidade.
Antagonismo puro.
Verificar que aquilo que tanto desejamos, um dia será a nossa verdade mais realista.
Antagonismo puro.
Perpetuar no saber os nossos enganos, que de tão vãos e tolos, nada acrescentam à saciedade do conhecimento.
Antagonismo puro.
Desleixar a existência pela vida que se esfuma todos os dias.
Antagonismo puro.
Acreditar que as amarguras são a magia negra de sentir e que de tão enraizadas, não podem ser contrariadas…
Antagonismo puro.
Pôr mãos à obra, sem obra e sem dignidade.
Antagonismo puro.
Esperar que os pontos finais deixem de existir e se enquadrem por defeito em reticências, que não trazem nada de novo.
Antagonismo puro.
Calcorrear o universo dos sonhos, descalço e com os pés no limiar do abismo.
Antagonismo puro.
A subserviência.
Antagonismo puro.
O rigor.
Antagonismo puro.
A displicência.
Antagonismo puro.
A sabedoria.
Antagonismo puro.
O relativismo.
Impuro antagonismo…

12 outubro 2011

Circo do Amanhã









E após sucessivas cambalhotas, o colapso continua iminente. A indiferença é vedada pela minuciosa atenção que se presta aos senhores que melhor promovem o espectáculo: os artistas do trapézio. Um deslize e escreve-se o ponto final. [Porque é que isto não pode acontecer com os ‘profissionais’ da política? Não seria mais razoável para eles que fazem outro tipo de acrobacias sem risco físico?]
Indiferença? Remeto-a toda para as actuações dos palhaços que cambaleiam e protelam a sessão de circo, absolutamente dispensáveis, não?!
Adiante, não me lembro de alguma vez os ter apreciado em prestações na arena. Sim. Provocam-me esse desconforto. O meu pai sempre opinou que os palhaços têm a profissão mais dura e mais difícil do mundo: fazer rir. E esta actividade lá terá que ser providenciada, independentemente do estado de espírito da criatura humana por trás das coloridas expressões e desleixadas vestes.
Ao que tudo indica, no palco, as mágoas ficam escondidas no xadrez escuro do oco enquadramento das luzes que acompanham a figura, o que me faz acreditar que o palco será um bom escape, da mesma forma que será um dos melhores refúgios pelo menos até se fechar o pano e eclodir a névoa negra, sem o som dos gritos mais efusivos ou dos aplausos sempre reconfortantes… Nos filmes seria, no limite, comparável a uma cena de despedida, em que sob a voz do extinto Barry White no mítico Let’s Just Kiss and Say Goodbye, (mal sabia o senhor que iria ficar reconhecido, entre outras, por uma canção de despedida) dois apaixonados se tentam desfazer do sentimento, com o afastamento dos corpos na distância. Não chega a ser uma despedida razoável com direito a lágrimas, tristeza, e sonoro aplicado… Só que a mim me parece que até à data somente a morte é a única invenção intocável… Por isso, para quê despedidas? Prefiro sempre os ‘Até breve!’
Não gosto de palhaços. Apesar de os considerar, não consigo a animosidade suficiente para declarar que lhes acho piada, porque estaria obviamente a mentir. Dou-me mais com as feras e suas exuberâncias clandestinas. Fascínios pelo desviante, pelo intocável. É por isso que prefiro a magia que me palpita no peito, quando os trapezistas fazem jogos de equilíbrio. Não se me detém a mira até à última pirueta, sustenho a respiração a cada movimento mais imprevisto… As pulsações disparam em catadupa. Que maravilha! Quanta beleza inquantificável e inqualificável transposta em corpos, em movimentos, em arte… Em respostas instantâneas…
Após a temporada, desmonta-se a tenda e a ‘ala’ é de marcha para uma qualquer terriola que se deixe invadir pela arte circense.
São artistas que estão sempre de partida, o que numa visão redutora, me deixa apreensiva. Porquê? Porque tudo na vida é cíclico e dura pouco tempo, esta última parte pode perceber-se melhor, quando arrumamos mentalmente o nosso passado e o remexemos por momentos.
Na vida, o mais próximo que temos é sempre a ilusão que nos conduz ao intransponível. Se não tivesse o ilusionismo como a arte de promover jogos de óptica, essencialmente, admitia que fosse uma actividade sujeita a ser instituída como parte integrante de qualquer currículo formativo. É que só mesmo a magia poderia inverter os sentimentos desconfortáveis a que as populações estão votadas. E in extremis acabar-se-ia com a tenebrosidade que o amanhã provoca.

21 setembro 2011

Feridas Expostas [X]



















É um entra e sai que não há memória.
É um desgaste mais impróprio para consumo que mais parece que o ar deixou de estar poluído, para se incrustar no peito.
Nunca dantes o seu coração batera tão forte, de ansiedade, angústia, desespero, tristeza, vazio…?! Vá lá que ainda não desistira de bater. Perdera-se do rumo traçado depois de tantas fatalidades imberbes.
E, neste caso as novidades só vinham transportar a alma, por defeito, para uma cada vez mais sepulcral prisão.
Desengane-se quem ache que o coração não falece de dor, de tristeza, de desilusão… Morre muito mais do que se parasse de bater…
Lídia travara desde que se conhecia batalhas duríssimas.
E estava disposta, a qualquer custo, a destruir qualquer desânimo. Aliás, tudo o que se lhe afigurasse de carácter negativo teria que ser banido de vez da sua vida.
Nela, já não havia espaço para rancores ou falsas propensões para indefinições dos seres (des)humanos…
Com esta selecção (des)cuidada, sentia-se mais sóbria, mais serena, mais entusiasta da vida. Acabara-se o corpo presente em serviço de ambulatório.
As vertigens do mundo já não a atrapalhavam… Ganhara um caminho interminável cuja orientação era em frente, sem medo das tonturas que um andar mais perto das nuvens provoca…
Lídia, através de uma mudança de atitude perante a sua vida, tinha-se livrado do sentimento de marioneta moribunda, presa entre o mundo exterior e a palma das suas mãos…
Enfim, é sempre mais fácil perder o que de essência nunca se teve!
No início da sua transformação, meditava o porquê das bolas de sabão terem uma vida tão curta… Quanta beleza subjugada…!
E por falar em beleza, André chegara das aulas para lhe trazer sorrisos. O sol como ainda brilhava naquele fim de tarde, convidava Lídia a levar o miúdo a passear. Era o passatempo favorito de André, segurar a mão da mãe e calcorrear um qualquer caminho que se delineasse atravessar…
Com o anoitecer, o vento massajava-lhe a pele com displicência…
É o bom que a Natureza tem. Espraia os fios de cabelo e recolhe as (ex)tensões que atrapalham o dia-a-dia…
André acompanhava a mãe dando-lhe a pequena mão, num aperto de mão firme e ternurento…
Aquele momento tinha tanto de individual quanto de plural…
Tanto de solenidade etérea, quanto de encantamento perene…
O tempo e o espaço ficavam abandonados por completo, porque aquele era um momento metafísico de restituição umbilical…!
André tinha 9 anos e era um rapazinho amoroso. Na boca faltavam-lhe alguns dentinhos, mas não deixava de sorrir para quem o fazia feliz…
No percurso escolhido, não houve tempo para distracções, pelo menos até o telemóvel tocar numa pacata melodia. Era Jorge, o companheiro de vida, de alma, do amor que desde sempre decidiram partilhar… Acabara de chegar a casa e as saudades dos seus dois amores eram gigantescas...
Aprontara-se e correu ao encontro das duas criaturas da sua vida!
Jorge e Lídia formavam um casal feliz cujo lema sempre foi o de respeitar duas características basilares: ser-se sempre único e individual. Afinal, eram duas personalidades fortes unidas. Houve tempos em que estiveram mais exaltadas, mas sempre que alguma se retraía, a outra, desafiava-a a despertar e consequentemente a erguer-se, sempre numa luta comum. É na inversão de estados de espírito e na mútua harmonia que transpõe os desafios que todos os dias se apresentam, que reside o segredo de uma vida a dois…

13 setembro 2011

Feridas Expostas [IX]


São mágoas coercivas, aquelas que avistava naqueles olhos esverdeados e incisivos. Eles já não emanavam a beleza de outrora, apenas um sentimento pobre de afeição pelo tempo, pela saudade da vida.
Todas as suas forças haviam estagnado. Tudo o que a fizera feliz tinha terminado. Perguntava-se por diversas vezes, como se deixara entregar às teias absurdas da incompreensão, da letargia e da sórdida apatia?
Já não havia por que se martirizar com tantos equívocos… Mas continuara indefinidamente… Aqueles que ousaram estender-lhe uma mão amiga foram poucos. Sentiam-na uma perfeita desconhecida. E, concretamente, sentiam saudades do ‘antigamente’!
O passado tem destas iniquidades. O que éramos, pesar-nos-á sempre, quer nos pontos fortes, quer nos mais fracos. Por mais que gritemos aos quatro ventos que tudo mudou, a essência de cada um é provocadoramente uma patente certificada!
Desajeitadamente, erguias-te com fraca destreza. Tinhas passado bastante tempo sem alimento, sem uma gota de água que hidratasse o corpo. Sentias-te a afastar do mundo real. Os ansiolíticos não contornavam as dores da alma e já pouco faltava, para prever que se ninguém te acolhesse, deixavas-te levar nessa maré turva em que te enredaste…
Assim como existem necessidades vitais que devem ser alimentadas, estas também são passíveis de serem criadas. Se assim não fosse, o futuro do marketing e da publicidade estaria seriamente comprometido.
Arrancaras o fio do telefone, para que não tocasse. O telemóvel deixaste-o perdido até perder a bateria. Trancaste as portas. A TV permanecia em silêncio... A internet e tudo o que advém desse contacto à globalização tinhas ignorado em absoluto! Para quê tentar ajudar quem não quer ser amparado?
A história da vida lembra que todos têm telhados de vidro. Uns mais inquebráveis que outros (talvez fruto do carácter ou da personalidade impressa ao longo da vida). Mas lembra também que quando estalam fendas, próximo se estará de grandes palpitações. A hierarquia das fendas nunca é singular, muito pelo contrário é plural e desastrada. Falta saber quando vai começar a inquietação.
Assume-se sempre o controlo passível de ser tomado, simplesmente, por vezes, não é o devido… Não é à toa que vulgarmente se diz que ‘todo o cuidado é pouco’… Sem dúvida que há imensas variáveis capazes de promover a autodestruição, sem que vivalma dê conta!
Portanto, observe-se delicadamente as pessoas que dependem de nós, sem que saibamos. Diz que com o tempo se apura este sentido protector de quem realmente se traz no coração.
Hoje, já fez algum verdadeiro amigo sorrir?
Reconfortou nas suas asas alguém ou, precisa ser reconfortado?
Se é do último caso que padece, faça-se ouvir sem medo de falsas interpretações. Todos os ‘passos’ são válidos no caminho da auto-salvação!
Sim, é de partilha sem tempo nem espaço para censuras, aquilo a que me refiro…

Imagem: Pensamento de Fernando Pessoa

08 setembro 2011

Feridas Expostas [VIII]


















Chico Buarque cantou “a dor da gente não vem no jornal”. Acrescentaria: “nem estampada no rosto”. E por mais pistas que sejam dadas distraidamente, os enigmas são mais que muitos a desterrar.
Em alternativa, leva-se todo o padecimento para o derradeiro leito. Não se desfazem os sorumbáticos e ocultos mistérios de uma vida já excedida, de uma vida vagarosamente sentida...
Subsistem as memórias felizes, porque como o próprio nome indica, são as únicas capazes de sobreviver, pois lembram momentos de amor.
E, no amor é tudo parvo. Inconsistente. Doentio. Perverso. Infantil. Abnegado. Nos mais variados moldes de o sofrer!
Aliás, na travessia dos excessos que se praticam, não há limites. É mesmo assim. E se doutra forma fosse, não teria o mesmo impacto d’ alma, essa profunda fonte de luz.
Todos os estádios percorridos, trá-los no peito… Mesmo os dos socalcos intempestivos.
As feridas da vida são duros golpes quase sempre transponíveis.
A menos que se enraízem no corpo e sejam incapazes de quebrar a invencibilidade.
Há algumas que têm nomes esquisitos, mas grosso modo são uma praga, uma peste…
O silêncio distancia as dores. Acolhe a mágoa. Tempera a alma. Equilibra a balança dos dias…
E não Chico, isso não vem nos jornais. Apenas permanece em segredo. No segredo mais discreto possível. Também de que adianta partilhar se essa dor não desvanece?
Cair na permissividade de um lamento, é passar a vida de joelhos, frente a quem o escuta. Em contrapartida, se se demonstra controlo, o fenómeno será mais humilhante, as visitas passam a precisar de apoio e, o paciente a erguer duas cruzes!
Tudo o que vem em potência faz melhor a ultrapassagem.
E, as sucessivas ultrapassagens da vida tornam-nos um caminho mais maduro, recto, coeso e aprumado!
E Chico, também esta parte continua sem voz nas páginas do jornal…
Sem sombra de visibilidade. Sem cor na imagem. Sem uma única palavra refém de tinta cravada em papel reciclado…

07 setembro 2011

Dá-me Coceira!

 

Esboçam sorrisos de ignorância e relatam palavras num desalinho inconsciente. Balbuciam asneiras a jorro, que é como quem diz que se exprimem em vocabulário desconcertante, para quem aprecia a língua de Camões (ou o que vão fazendo dela)! Dão pontapés afirmativos na linguagem comum, com o condão de quem convive com a alucinação feita sombra, que vibra na boca com um volume inconstante, gradativo e exageradamente alto.
Jigajogam com o corpo que se mexe num ritmo conquistador (ou vá, parolo), em autênticas manifestações de seres assexuados vertiginosos.
Mostram pele às bandeiras despregadas, não norteiam combinações de roupas, acessórios e calçado. Quase merecem o prémio de melhor farrapo humano enfarpelado, face ao apurado sentido estético!!!
Pavoneiam-se em distintos subterfúgios financeiros, ao passo que pessoas comuns são incapazes de almejar uma pequena vitória. Isto está no sangue, não está?!
Frustrem-se todos aqueles que se relaxam a observar os movimentos destas criaturas, sem as ouvir! Mas como não há uma sem duas, nem duas sem três, recomenda-se que não queiram ouvir os conteúdos fúteis em tom de vácuo que abordam.
Após esta nota (des)cuidada, questiono se essas figuras terão noção daquilo que despertam nos outros? Sentirão a vida a passar itinerante e alheia à adversidade? Serão mais ou menos audazes? Que sabor provam da felicidade? Quais as suas defesas?
Solta-se uma ‘poliresposta’ aplicada: Não sei! Provavelmente são um fenómeno em ascensão digno de estudo.

11 agosto 2011

Por outras palavras...


«Eu sou criança. E vou crescer assim. Gosto de abraçar apertado, sentir alegria inteira, inventar mundos, inventar amores. O simples me faz rir, o complicado me aborrece. O mundo pra mim é grande, não entendo como moro em um planeta que gira sem parar, nem como funciona um fax. Verdade seja dita: entender, eu entendo. Mas não faz diferença, os dias passam rápido demais, existe a tal gravidade, papéis entram e saem de máquinas, ninguém sabe ao certo quem descobriu a cor. (Têm coisas que não precisam ser explicadas. Pelo menos não para mim). Tenho um coração maior do que eu, nunca sei minha altura, tenho o tamanho de um sonho. E o sonho escreve a minha vida que às vezes eu risco, rabisco, embolo e jogo debaixo da cama (pra descansar a alma e dormir sossegada).
Coragem eu tenho um monte. Mas medo eu tenho poucos. Tenho medo de Jornal Nacional, de lagartixa branca, de maionese vencida, tenho medo das pessoas, tenho medo de mim. Minha bagunça mora aqui dentro, pensamentos dormem e acordam, nunca sei a hora certa. Mas uma coisa eu digo: eu não paro. Perco o rumo, ralo o joelho, bato de frente com a cara na porta: sei onde quero chegar, mesmo sem saber como. E vou. Sempre me pergunto quanto falta, se está perto, com que letra começa, se vai ter fim, se vai dar certo. Sempre questiono se você está feliz, se eu estou bonita, se eu vou ganhar estrelinha, se eu posso levar pra casa, se eu posso te levar pra mim. Não gosto de meias – palavras, de gente morna, nem de amar em silêncio. Aprendi que palavra é igual oração: tem que ser inteira senão perde a força. E força não há de faltar porque – aqui dentro – eu carrego o meu mundo. Sou menina levada, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu… Escrevo escondido, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. E eu amo. Amo igual criança. Amo com os olhos vidrados, amo com todas as letras. A-M-O. Sem restrições. Sem medo. Sem frases cortadas. Sem censura. Quer me entender? Não precisa. Quer me fazer feliz? Me dê um chocolate, um bilhete, uma mentira bonita pra me fazer sonhar. Não importa. Todo dia é dia de ser criança e criança não liga pra preço, pra laço de fita e cartão com relevo. Criança gosta mesmo é de beijo, abraço e surpresa!»

Por: Fernanda Mello

02 agosto 2011

Feridas Expostas [VII]


A história repetia-se. Vezes e vezes sem conta. Como se o fio condutor de uma vida fosse mais viciante, que as dependências que teimam em seduzir os humanos…
Os avanços e os consecutivos recuos eram a marca ténue de oportunidades vencidas por prazos indeterminados.
Helena era irresponsável por natureza, achava que viver no limite era sinónimo de sorte, mas largas vezes se esquecia que estava a perder pontos no caminho da felicidade.
Uma vez perguntaram-lhe se ela era feliz, e o silêncio fez-se ouvir em ecos sucessivos.
Talvez nessa altura ela se tenha apercebido que as escolhas que tem feito, a têm manifestamente atirado para um beco sem saída, onde nem tempo há para conviver com a felicidade.
À medida que o silêncio subsistia, Helena soltava uma lágrima e outra, e outra, instalando-se um mar, num rosto que se afunda.
Aquela aventura de parar para reflectir sobre si, já não tinha piada. Nem sempre as pessoas se dão conta que os vazios, os desaires são provocados ironicamente por quem os pratica involuntariamente.
Todos querem a felicidade e se se observar a realidade, sabe-se que a felicidade existe sempre, só que com picos e frequências. Há alturas em que o sentimento se recolhe, mas porque também ele necessita de se abstrair do que provoca…
Aquele mar que lhe escorria pelo rosto era de um dia tempestuoso, bravio, aterrador. São necessárias efemérides imprevistas para que se acorde dos sonhos, que afinal se tratam de simples pesadelos mascarados de ilusões…
Poucos são os que se deixam tocar pelas verdades da vida. É mais fácil escapar-lhes a sete pés...!
O auto-domínio prevalece imune a qualquer inversão de movimentações ou estilos de vida.
Mas, até quando? Até ao dia em que as ignóbeis verdades se desfizerem diante dos olhos e, por vezes, já sem salvação possível.
Helena ancorou-se no caos de vida que promovera. Aliás, é recorrente o facto das pessoas se agarrarem a qualquer coisa, por mais minúscula que seja…
O conceito de felicidade atinge desproporcionais variações…
Não obstante, há momentos de felicidade que se destacam da facilidade de existir…
Daí que se coloque muitas vezes a sorte em pé de igualdade com a felicidade…

Imagem: Pensamento de Fernando Pessoa

01 agosto 2011

6º Aniversário [2005 - 2011]


A 31 de Julho de 2011, o VIVEMOS DE MOMENTOS cumpriu o seu 6º Aniversário!!
Para mim é quase, um caso improvável de longevidade!
Agradeço a passagem de todos os visitantes, desejando, claro, boas leituras... Seja nos textos já publicados, quer nos que hão-de vir...
Passem os melhores momentos neste aconchego de palavras.
E, apreciem a evolução 2005 - 2011...
[Podem acreditar que até a mim me surpreende!]

Um forte abraço,

Até sempre!

25 julho 2011

Feridas Expostas [VI]


Rafael questionava-se por diversas vezes sobre a eventualidade da saudade ter um período de tempo para começar a aparecer…
Breves segundos…? Dias…? Semanas…? Meses…? Anos…? (…)
Para o soldado da paz, a saudade não é mais que um verdadeiro “contentamento descontente”, dada a sujeição à equação de tempo sempre tão (im)previsível)! E, no seu trabalho como voluntário a experiência dirimia essa mesma imprevisibilidade, dado que assistia em catadupa a últimos espasmos, a últimas tentativas de sobrevivência, encarando sempre as mais macabras e diversas manifestações de um fim, bem como as mais diversas imperfeições que a vida engenhosamente ancora.
Da mesma forma que se sentia perdido nesta vida, todos os socorros que prestava o aliviavam. Talvez bebesse na esperança nos outros, a que estaria reservada para si.
Naquela manhã chuvosa, ele estava de folga, pois o comandante da corporação recomendara que ele descansasse mais, para que as ocorrências não lhe cambaleassem por completo o discernimento. Pelas suas recentes atitudes, Rafael demonstrava um crepúsculo de emoções ambíguas, talvez porque afinal, nem tudo o que é idealizado se trata de um ideal. As expectativas serão sempre meros sonhos que nunca ou raramente sairão do armário ou do nosso consciente mais apurado. É retórica. Óbvio que se trata de pura retórica, quando se exprimem ideias que nunca se vão vivenciar ou que serão sempre verdades inconclusivas.
O sentido altruísta que Rafael mantinha desde sempre era largamente saudado pelos colegas do quartel e seus superiores, depois de 15 anos prestando um serviço notável, o inevitável batia-lhe à porta do coração…
Eram 7 horas da manhã, quando em sobressalto o bombeiro fora chamado de urgência para socorrer um acidente de viação, uma vez que dois colegas que estariam de prevenção no quartel, adoeceram.
Rafael, Carlos e Paulo dirigiam-se para o local do sinistro. Quando se começavam a aproximar, Rafael começa a perder as suas capacidades motoras e pede a Paulo que troque com ele a condução do veículo. Os colegas preocupados com Rafael pedem reforços junto das corporações vizinhas. Algo se anunciava. Um nervosismo imenso, a castração de movimentos, um mal-estar indefinido fez com que parassem a viatura de emergência para que o socorressem primeiro. Rafael estava a braços com uma paragem cardíaca, prevendo o que o seu corpo não conseguira alcançar.
Inevitavelmente, aquela ambulância passara no local do acidente onde já outros colegas tomavam conta da ocorrência. Rafael ergueu-se levemente na passagem, sob convulsões repetidas. O seu coração estava certo, era o automóvel dos seus pais que se tinha despistado numa curva, devido ao piso molhado.
As gotas de chuva batiam no vidro, enquanto engrossavam. Aquele temporal e os quilómetros de rua que se iam galgando, deixavam para trás muito mais que meras afinidades.
Rafael pressentira que quem lhe dera o coração, estaria por aquela altura a torturá-lo, com as mais diversas interrogações e, nessa encruzilhada de pensamentos difusos, o soldado perde os sentidos, obrigando os colegas, perturbados e desprotegidos, a uma corrida contra o tempo, que objectivamente raramente se sabe quantificar…
Rafael estava na casa dos 30 anos. De estatura alta era saudável e forte. Nada o parava até àquele trágico momento em que transbordaram emoções díspares, que o afligiam de tal ordem, que ele, parte integrante da pseudo santíssima trindade familiar, parecia prestes a ceder ao infortúnio, levando consigo as suas origens e os seus pais…
São estes momentos plenos de terrorismo que abalroam mesmo uma pedra no sentir…
José e Leonor após várias tentativas de reanimação, conseguiram manter-se presos à vida… Já Rafael fez um lento percurso de regresso à vida. Talvez tenha tocado levemente o limite...
Lentamente, Rafael entreabria os olhos. José e Leonor olhavam o despertar do coma induzido do filho e sorriam para Mara, sua companheira.
O soldado da paz tinha sido resgatado da morte e, independentemente dos fenómenos paranormais, que ali poderiam estar afectos, demonstrou-se o quanto o fio condutor de vida é feito de necessidades várias entre os mais diversos intervenientes da sociedade, sejam eles os mais próximos ou inteiramente anónimos.
Mara derramou várias lágrimas, talvez de saudade transformada em felicidade… Tinha o seu homem de volta… Nunca mais queria sentir aquela angústia de quase perda… De despedida antecipada… Contudo, sabia que a vida tem reservas incalculáveis de circunstâncias imprevistas.
É nos momentos mais trágicos da vida que a saudade despoleta. Talvez tenhamos a presunção de considerar que os que nos rodeiam e os que amamos são eternos. No entanto, é na distância física ou funesta que se contabiliza o tamanho do sentimento:
SAUDADE…

22 julho 2011

Feridas Expostas [V]


26 anos depois, Luz escutava a mesma música de 1985 justamente com a mesma intensidade. Imortalizado por Mr. Mister, o tema «Broken Wings» era muito mais que um hino aos seus sonhos, múltiplas vezes, desfeitos. Às vezes dava com ela a perguntar-se:
- Será que alguém quer estas ‘Broken Wings’? São gratuitas. Mas ao que parece, nem tudo o que é ‘à borla’ as pessoas aceitam. Há ainda por aí muita gente selectiva no que é oferecido. Vai-se lá entender, porquê…!
Aquela canção murmurava as tortuosas desventuras do que de tão perto acabou por se perder. Estes momentos são de pura incompreensão pincelados de ingenuidade.
É como se quiséssemos prender o ar entre as mãos e ele rapidamente sumisse no vazio. É como tentar preservar bolinhas de sabão intactas. É como tantas outras questões que invariavelmente não se socorrem de uma única resposta.
Todos os momentos podem ser os últimos, mas não raras vezes esquecemo-nos desse indelével pormenor.
Asas que se partem e asas que já se partiram, metaforicamente, o importante será curá-las e deixá-las voltar a voar, como tão bem sabem fazer livremente.
Luz procurava na sua mão, a mão de Henrique. Um toque singelo que a protegia, protegera dos temporais e tempestades da vida. De facto, era muita responsabilidade para um ‘simples’ toque…
Deve ser proveniente daqui a expressão: "Dar uma mãozinha!" [Deve, pois!!!]
Henrique partia mais do que chegava, desassossegando a cadente Luz. A cada recomeço, que era como se gritasse reencontro, ela mantinha-se ali, sempre disponível com todo o amor que tinha para dar. Exactamente igual, transparente, cristalina…
Luz convencia-se que daquela vez seria a última, mas à medida que os anos iam passando, sentia-se envelhecer naquele misto de relação impura, insensata que só lhe trazia transtornos emocionais.
Precisava em paradoxo ganhar asas de luz forte, que queimasse e reduzisse a cinzas tudo o que sofrera em silêncio. Aquela mulher apercebera-se que passava horas e mais horas calada. O silêncio é uma marca de vida que está mais presente do que a nossa alma. E o nosso maior diálogo é connosco. Irónico!
Quando um corpo se cola noutro, abrem-se precedentes à tolerância espírita e, do sangue que se mescla, brota vida e mais vida de todas as cores do arco-íris…
Precisar de alguém pode ser tão redutor e possessivo, quanto essa ‘necessidade’ de companhia…
E depois? Asas feridas. É esta busca incessante que acaba por fechar os olhos aos menos pacientes.
Luz abria o livro do amor e não encontrava nem perguntas, nem respostas, apenas momentos de felicidade, não queria ocupar o seu livro com os sucessivos desassossegos de dor.
Além de Henrique, muitas eram as criaturas que povoavam o seu universo de vida e que ora entravam, ora saíam, sem compromisso! Ela abria as suas asas e acolhi-as igualmente no momento de embarque, de chegada, de regresso… Penitenciava-se por isso, mas sabia que era essa paz que a fazia viver interdita de tristeza. O tempo apagava tudo, ou pelo menos, as partes mais cinzentas que várias vezes feriam de sangue as suas asas, a sua alma.
Apenas as vozes angelicais a tranquilizavam. Era esposa das baladas, comovia-se com as universais palavras melódicas em verso, com que tanto se identificava e, escolhia a noite para contemplar o vazio e o silêncio que apenas ela podia preencher.

19 julho 2011

Feridas Expostas [IV]


Doce espírito indomável, indelével que o vento espirra, gritando: - ‘saúde’!
Qual dualidade Yin Yang da filosofia chinesa! Só se for em versão acelerada das duas compactadas numa só, em plena interacção de forças!
Acho que as únicas caras de espanto são as dos adultos, absolutamente incrédulos ao que assistem, quando a pequena Bruna vocifera conversas de gente crescida.
- Raios partam a miúda! Bolas!
Ela é um completo desequilíbrio dinâmico de hiper-actividade. Com o Yang a ser fortemente favorecido.
Activa e luminosa, como ela só... Vem a noite e compassa-se com a passividade da noite fria, do repouso e da escuridão. (Como somos escandalosamente movidos a forças ancestrais e cabalmente opostas, hein?! Meras manifestações ou mutações de horror?!)
Aquele olhar pequenino brilhava ao passo que se hipnotizava diante duma montra repleta de gomas de todas as cores, feitios, sabores com e sem aquele ‘açúcar’ ácido celestial!
Lia-se nos olhos da pequena Bruna o salivar de desejo daquelas cores deliciosas e docinhas dentro daquela boquinha minúscula…
Vendo-a naquele êxtase, Ricardo, pede à menina da loja que embrulhe umas boas gramas de gomas para grande regalo da sua pequenina, que esboça toda a sua felicidade no rosto!
Ricardo partilhou com a filhota as guloseimas. Pareciam duas crianças, esqueciam-se idades e o amor era muito mais que um mero laço ou sentimento. Pertenciam-se.
Aquela tarde continuou entre muita brincadeira pelo parque infantil, Ricardo manifestava vontade de se incluir nos baloiços, escorregas vindos de túneis, labirintos, pirâmides, jogos de escalada, jogos de molas, ou ainda alguns jogos temáticos. Bruna sentia-se no paraíso, sempre sob o olhar atento do pai, outros pequenos acabavam por brincar com ela, no fundo todos os miúdos acabam por sentir afinidades quer para a brincadeira, quer para afastar a solidão. São bem mais genuínos e menos insidiosos.
Aproximava-se a hora do jantar, quando Ricardo chamou Bruna para irem embora, que já se fazia tarde. A mãe esperava-a. Tinha sido um fim-de-semana fantástico. Os amigos e familiares de Ricardo adoravam aquela menina encantadora. Antes mesmo de a levar à mãe, já adivinhava a tristeza de ter de deixar partir um pedaço de si.
Bruna, antes de chegar a casa da mãe e com um tom melancólico pergunta-lhe:
- Pai quanto vamos ficar todos juntos novamente?! Quando voltas para casa?! Gostava que continuasses a contar-me a história do Principezinho, que o tio deu.
Ricardo tentando conter as lágrimas e no fundo as emoções que quase o afundavam desta vida, olhou-a nos olhos e disse:
- Pequenina, deixas sempre o papá sem palavras. É complicado para ti perceberes que eu e a mamã já não gostamos um do outro, mas amamos-te muito, por isso aceitamos viver separados!
- Mas pai, eu não consigo adormecer sem ouvir as histórias que me contas, a mamã não tem tempo para isso. ‘Tá sempre a trabalhar! - Resmungava.
Ricardo pegou-a no colo e abraçou-a, até a mãe chegar.
A lei é ainda muito submissa e retrógrada para pais e filhos… Há muitos tipos de amor. E, claro está, todas as pessoas estão mais ou menos vocacionadas para serem pais, mães… Uns mais do que outros, mas sem dúvida que é uma questão extremamente complexa, que não se compra, não se vende, apenas se dá incondicionalmente.
O afecto não se compreende a normas, estará muito longe disso…
Apesar das rédeas se regerem pela exactidão, existirá ainda muito caminho por percorrer!
Muitos paradigmas por desvendar…

18 julho 2011

Feridas Expostas [III]


Marina deixou-se estar por casa. Nada como o lar acolhedor, para devolver as boas energias e as boas vibrações a um corpo, que é sempre muito mais transcendente do que um simples ‘corpo’.
Marina precisava cuidar-se mais do que nunca. Acordara, entre sonhos exagerados e exaltados… Lá fora, ecoavam barulhos, pura poluição sonora… Dava vontade de possuir uma varinha de condão, erguê-la e baixá-la em toque de mágico e colocar sons, pessoas e lugares atrás duma cortina invisível e verificar que todo aquele universo desnecessário havia simplesmente desaparecido.
Mas, se pedissem muito inverter-se-iam os papéis e era Marina quem desaparecia sem resmungar.
Como conquantas vezes é mais fácil tomar a iniciativa, ao invés de esperar que as coisas mudem à nossa condição, Marina experimentou abstrair-se dos sons que contrariavam o seu humor e fez-se levitar até a um spa caseiro…
Como sabe bem sentir as pontas dos dedos sobre a textura suave e delicada de cada poro de pele… A frescura e a leveza apoderaram-se dos que carregam o peso de ser: os pés…
Depois dum momento revigorante de água hidratante e produtos de relaxamento… É tempo de repousar do encantamento…
Marina devolve-se aos lençóis frescos e sente a paz assente no cristalino momento idílico que a trespassava… Deixou-se embalar por entre fragrâncias de jasmim e entre as sonoridades irresistíveis do “The Very Best of Diana Krall”…
Aos poucos restabelecia-se dos abismos, por que tem passado… Nem que fosse por tempo calculado em contra-relógio…
A autodestruição começa no dia em que apagamos da memória as alternativas aos nossos sinais vitais, deixando de beber os estímulos do corpo e deixando de enxergar a alma que se auto-exilia, impedindo de chegar ao tão desejado Jardim do Éden…
Que não se adie o inevitável!

15 julho 2011

Feridas Expostas [II]


É vulgar ficar encalhada em mim, em ti, como se o mundo desse voltas e mais voltas ao meu, ao teu redor… Não sei mais como que se sustenta esta relação. Se com palavras, gestos, paixão, amor, ou tudo junto ou tudo meio emparelhado.
Talvez porque o egoísmo não queira ninguém ou tenha tendência a não saber o que quer… Senão a frívola prosperidade!
Em períodos de dúvida voltam-se os arrependimentos, lembram-se as intempéries, remexe-se no sofrimento e amplia-se a melancolia. Raras vezes nos separamos do que nos fez sentir o amargo de boca. Deixamo-lo na nossa clausura interior [pseudo]inconsciente a marinar indefinidamente.
Dos erros passados brotam descobertas surpreendentes, seguram-se os laços e floresce o carácter que tem por hábito, em situações acesas, ausentar-se sem pedir.
Da personalidade angustiada, surge um radiante amanhecer. Parece-me que as noites de penumbra e de solidão já não viam a luz do dia há uns bons milhões de trevas, que não sei se diferem dos longos anos-luz!
Todos estes detalhes tornavam a missão de descoberta mais intolerante. Colhiam enganos fortuitos. E o único receio era continuar a persistir no erro. Como? Justamente persistindo.
O sabor agridoce da submissão, da passividade releva-nos para a possessividade, mesmo que nunca nada seja definitivamente nosso. Por isso desprego a bandeira branca em sinal de rendição às evidências e troco-a por mim.
Serei sempre o que quiser, poderei sempre ser medalha de troca, mas nunca conseguirei atingir na plenitude, o que só eu sou por o sentir.
Pode parar a tempestade. Pode parar o vento. Pode bem nascer o sol. Aliás, diz-se que quando ele nasce é para todos, só que nem todos o aproveitam! Deixam-no deitar-se no mar… Sem que seja avistado, da mesma forma que costuma ser o primeiro a acordar, sem testemunhas…
A temperatura é tão relativa quanto é a sua imprevisibilidade. O tempo, tal como as pessoas, faz muitas caras… Sobejamente diz-se que é independente e emancipado.
Não obstante, a dependência é comum e a emancipação lá terá rasgos de consistência.

11 julho 2011

InTEMPOralidades


Nunca ninguém é perfeito nas atitudes, nas respostas ou até mesmo no sentir.
No fundo, acaba-se por ser-se comedido(a) uma vida inteira. Não quero com isto afirmar que as pessoas se devam limitar à extinção ou, por outro lado, que alguma vez tenham sido incorrectas, sem que isso tenha acontecido. É sempre preferível aceitar que ninguém é de ninguém, e que se depositarmos expectativas sobre alguém, o problema é inteiramente nosso. A nossa maior semelhança com os outros, analogamente é a diferença. Somos únicos e essa é sempre a margem de manobra subjacente a cada ser… Ser-se único é uma característica que nos assiste, nem que tenhamos irmãos gémeos, siameses, etc. etc. se pode afirmar igual…
É vulgar dizer-se que tudo tem o seu tempo de acontecer…
Talvez numa vã esperança que o tempo esvoaçasse e recolhesse a névoa obscura que embaraça os meus olhos… Procurei frases e conceitos prosaicos sobre tempo e mais tempo que ora se deixa levitar lentamente ou desassossegar…
Tentei amalgamar tudo e ser mais ou menos comedida… Acabei por tentar escrever e agregar alguma coisa que tem tanto de imprecisão, quanto de provocação. Cá vai:

DÁ TEMPO À TUA VOCAÇÃO porque O TEMPO TORNA TUDO IRREAL. Tem-se O PASSADO COMO BASE PARA O PRESENTE, tem-se O TEMPO E A VAIDADE assim como existe AMBIGUIDADE E ACÇÃO... Mas afinal, o que importa efectivamente é O VALOR DO TEMPO, NÃO O TEMPO DESPERDIÇADO POR NEGLIGÊNCIA, mas A NATUREZA SUBJECTIVA DO TEMPO.
A VELOCIDADE DO TEMPO É INFINITA. Ou seja, a HISTÓRIA E O TEMPO SÃO SEMPRE CONTINGENTES: n’O EFEITO DO TEMPO E NA MUTABILIDADE DAS COISAS.
O HOMEM NO SEU SÉCULO sofre com A TEMPORALIDADE. É NECESSÁRIO ESTAR SEMPRE EMBRIAGADO para prever O EFEITO DO AFASTAMENTO NO TEMPO.
O PRAZER E O TRABALHO, O TEMPO E O ESPÍRITO, O TEMPO E O TÉDIO, em suma, TEMPO E IDADE fazem crer que A CONTAGEM DO TEMPO PREJUDICA A CRIATIVIDADE e que O TEMPO REDUZ TUDO A NADA.
Aliás, entre O VAZIO DA PRESSA E O DINAMISMO, O MAIS INFALÍVEL VENENO É O TEMPO. O RÁPIDO PASSAR DO TEMPO É SINAL DE INACTIVIDADE… Assim como AS HORAS são O PARADOXO DO TEMPO.
TEMPO É MUDANÇA mas para que a mudança aconteça é preciso SABER DESFRUTAR TODOS OS TEMPOS e DAR SIGNIFICADO AO TEMPO.
NÃO HÁ RELAÇÃO ENTRE AS VERDADES E O TEMPO, provavelmente e seguramente, NÃO HÁ NADA QUE RESISTA AO TEMPO…

[Cábula de autores]
DÁ TEMPO À TUA VOCAÇÃO Saint-Exupéry, Antoine de porque O TEMPO TORNA TUDO IRREAL Weil, Simone tem-se O PASSADO COMO BASE PARA O PRESENTE Weil, Simone tem-se O TEMPO E A VAIDADE Aires, Matias assim como a AMBIGUIDADE E ACÇÃO Hatherly, Ana... Mas afinal, o que importa efectivamente é O VALOR DO TEMPO Séneca, NÃO O TEMPO DESPERDIÇADO POR NEGLIGÊNCIA Séneca, mas A NATUREZA SUBJECTIVA DO TEMPO Hegel, Georg.
A VELOCIDADE DO TEMPO É INFINITA Séneca. Ou seja, a HISTÓRIA E O TEMPO SÃO SEMPRE CONTINGENTES Kierkegaard, Soren, n’O EFEITO DO TEMPO E NA MUTABILIDADE DAS COISAS Schopenhauer, Arthur.
O HOMEM NO SEU SÉCULO Gracián y Morales, Baltasar sofre com A TEMPORALIDADE Sartre, Jean-Paul. É NECESSÁRIO ESTAR SEMPRE EMBRIAGADO Baudelaire, Charles para prever O EFEITO DO AFASTAMENTO NO TEMPO Kierkegaard, Soren.
O PRAZER E O TRABALHO Baudelaire, Charles, O TEMPO E O ESPÍRITO Woolf, Virginia, O TEMPO E O TÉDIO Mann, Thomas, TEMPO E IDADE Schopenhauer, Arthur fazem crer que A CONTAGEM DO TEMPO PREJUDICA A CRIATIVIDADE Valéry, Paul e que O TEMPO REDUZ TUDO A NADA Schopenhauer, Arthur.
Aliás, entre O VAZIO DA PRESSA E O DINAMISMO Adorno, Theodore, O MAIS INFALÍVEL VENENO É O TEMPO Emerson, Ralph. O RÁPIDO PASSAR DO TEMPO É SINAL DE INACTIVIDADE Pavese, Cesare… Assim como AS HORAS Cunningham, Michael são O PARADOXO DO TEMPO Lichtenberg, Georg.
TEMPO É MUDANÇA Kaufmann, Walter mas para que a mudança aconteça é preciso SABER DESFRUTAR TODOS OS TEMPOS Séneca e DAR SIGNIFICADO AO TEMPO Pavese, Cesare.
NÃO HÁ RELAÇÃO ENTRE AS VERDADES E O TEMPO Ortega y Gasset, José, provavelmente e seguramente, NÃO HÁ NADA QUE RESISTA AO TEMPO Torga, Miguel.

07 julho 2011

Feridas Expostas [I]

Há sempre um tempo de partida que acaba inevitavelmente numa chegada.
Há sempre liberdades pausadas. Liberdades que se pautam pela infalibilidade da vontade.
E o grito? Soa bem alto na clausura dum dia de interposto silêncio, feito eco das desbravuras de um mesmo dia lento e soturno.
O relógio conta os segundos levianamente, contando o desassossego calculista de explícitos estorvos desfeitos em réstias de vida.
As paredes que se ergueram asfixiaram memórias comedidas.
Sem portas nem janelas de vida e apenas no aconchego da sua solidão vã, uma tomada velha aquecida, liga-se à ventoinha que faz revolver o ar. A aragem não cheira a mar mas arrefece um corpo exasperado de tanto se envolver com a sepultura vulcânica instalada no seu íntimo.
As gotas salgadas brotam dos espelhos daquela alma. É a manifestação marítima mais aproximada possível…
E o grito? Faz estalar a tinta daquelas paredes caiadas de branco.
Sufoco perene, o que se concentra nas teias mais enredadas do consciente emparelhado de amarguras…
Aquele ser sofre. Aquele ser não reconhece mais a vida que já o fizera feliz e apenas agarra com toda a sua voracidade, a tristeza malfadada.
Há que cortar sempre na morte, já que a sorte é tão infiel, quanto inevitável.

06 julho 2011

Feridas Expostas


Passou mais um fim-de-semana quente de verão. Mas férias são férias e o ‘dolce fare niente’ levara Camila e o seu filho Luís até à belíssima ilha Terceira, nos Açores.
Escolheram a marina da Praia da Vitória para ali estenderem os seus corpos… A roupa colava à pele e só se estava bem com o corpo mergulhado nas águas límpidas açorianas ou com bebidas refrescantes para não desidratar. É costume o clima ser meio agreste. Por vezes até faz todas as estações num bom par de horas… A insularidade tem destas coisas… Destes encantos… Para quem os sabe apreciar!
Luís saiu da água e a vontade era recuar e ir para lá novamente. O calor estava a estalar e a tarde ia apenas a meio…
Por momentos, Camila julgara que as pedras negras vulcânicas estariam a pregar-lhe uma partida de mau gosto só para a pôr à prova naquelas férias que estavam apenas a começar. Eram tantas as catástrofes que via acontecer nos últimos anos em paraísos deslumbrantes, ou em situações inusitadas, que nem queria acreditar no que poderia eventualmente acontecer, naquele pedaço simpático de Portugal (dos pequeninos)! E tragédias não eram segredo para ela.
Rodrigo morrera num desastre de avião. Casaram na década de 90 e dum amor incontestável, nasceu Luís, a sua única razão para não abandonar a vida.
Camila era alta, serena e tinha um espírito demasiadamente derrotista. Era isso que fazia com que não fosse mais feliz. No passado, a desgraça bateu-lhe à porta e desde aí não recuperara do choque que foi ficar sem Rodrigo, o homem da sua vida… A vida tinha-lhe reservado Luís, um bonito rapaz de 21 anos, que mostrava que a adolescência e a imaturidade o preenchiam todos os dias e que, enquanto mãe, todos os dias faziam parte da aprendizagem do ser humano que tinha vindo de dentro de si e que fora desejado com todo o amor que dois seres são capazes de criar.
Todos os dias pensava em Rodrigo e em como estaria agora, bonito como sempre, imaginava. Os padrões de beleza são sempre relativos, complexos e não menos subjectivos, mas naquele caso Eros tinha sido bastante generoso! Qual deus grego, qual pedaço de vida tornado homem e seu marido.
De relance, Camila olhava Luís e o quanto ele era parecido com o pai. Ela, que não era muito crente em reencarnações, espantava-se do quanto se tinha que render às evidências…
Rodrigo e Camila conheceram-se exactamente com a idade que Luís atravessava, aos 21. Andavam na Faculdade de Belas-Artes. Rodrigo era doido pelo audiovisual e suas descobertas tecnológicas, Camila dançava e bem, para regozijo de Rodrigo. Mas nem um nem outro após concluírem os seus cursos, formalizaram as suas paixões profissionais.
Camila dançava só para Rodrigo que fazia películas caseiras e documentários enternecedores.
É o amor que sentimos pelos outros e o amor que os outros sentem por nós, que faz a felicidade de todos e de cada um.

[…]

20 junho 2011

O deserto de Matilde e Eduardo


“Cabrão do passarinho verde!” – pensava Matilde. Invadida ainda pela paixão lembrando-se do fenómeno que estava a viver…
O beijo até que nem soube muito ao gelo daquele inverno cavernoso, que não parava de assombrar. Os amantes afastaram-se. Tinham que continuar as suas vidas ao som do tempo que não pára de avançar no relógio. Ficou um cheque em branco de carinho… Que a cada (re) encontro teria que ser usado com mimos. Muitos mimos!!!
Enfim sós… Enfim em paz (nem que esta seja especialmente transitória)…
Soam baladas, das mais badaladas nos dois corações apaixonados… Matilde ficara com ecos das palavras alegres de Eduardo murmuradas no seu ouvido… Ao fechar os olhos, ainda escutava cada sílaba, cada acentuação tónica, a sua voz…
- Bom dia!!!! – Exclamava feliz, como uma energia inesgotável…
De regresso ao trabalho, estava dentro do buraco… Os outros ‘ratos do porão’ estavam no mesmo edifício… Frente a estes vermes, nem sabia bem como agir.
Restava ainda algum tempo, por isso decidiu entreter-se com o telemóvel e escrever um sms à sua amiga do coração, Catarina: “Ainda sinto a magia daqueles beijos, daqueles lábios… Na alma... Catarina, diz-me que eu não estou louca?! Por favor!!”
E Catarina responde: “Matilde, já Fernando Pessoa dizia que «Primeiro estranha-se, depois entranha-se…» E quase que aposto pela energia deste sms que ele acertou!!! Leio isso nesse sorriso rasgado e aberto… com que fechas a mensagem!”
Catarina era testemunha do quanto a amiga procurara um amor verdadeiro. Lembrava-se de um dos seus comentários ocos: “só quero é descanso e dormir muito. Ao menos enquanto durmo, sei afastar perfeitamente a solidão.” A sua vida acabara por ser consumida por um gigantesco vazio… Para ela era mais fácil levar a vida, afastando-se de tudo e de todos. Bonita e afável como só ela, Matilde enclausurou-se no trabalho, enquanto a vida ia passando por ela…
Poucos entendiam a sua circunstância e ela, muito menos... Houve dias em que achou que a vida solitária que levava era o bastante para sobreviver. Não era desconfortável… No fundo, tinha a esperança que um dia alguém conseguisse adaptar-se ao seu estilo de vida e fazê-la feliz. Era o que mais lhe desejava.
Recordou as suas últimas palavras proferidas num crescendo de tristeza, antes de (re) encontrar o amor: “tenho 27 anos e nunca saboreei o amor, a ternura, o carinho… apenas o vazio contínuo… Gostava de partilhar a juventude, a força, a esperança, os medos, os abismos com alguém. Um dia desses morro e não vivi um amor que me absorvesse a alma… Realizei situações ‘razoáveis’… Quando para mim a razoabilidade não é nada. É um mero mecanismo de acção, de vida.”
Quem diria que isto um dia, iria fazer parte dum passado naturalmente imperfeito? Cada caso é um caso… A distância e o amor são uma boa combinação. Quando a distância se ausenta… Logo floresce o amor em reencontro… Como na primeira vez… E é com a junção de casos isolados que se combate a solidão, pelos vistos…
Eduardo mudara radicalmente. E num espaço de tempo muito curto, Matilde era incapaz de compreender aquela mudança, se bem que pouco lhe importava, ambos estavam felizes demais, pois não fazia sentido que vivessem longe um do outro. Matilde sucumbira à magia que estava a acontecer. Nunca nada é seguro. O tempo é um mísero fragmento incerto… Afinal, vive-se de momentos que se esfumam, se apagam e invariavelmente se extinguem… Perdeu-se demasiado com o tempo. Perdeu-se demasiado tempo. Talvez, porque o mundo está cada vez mais infeliz… ou repleto de infelizes, que vagueiam nas suas enormes falsidades construídas.
Muito mais que música para os seus ouvidos, tinham a força da arte de amar entre braços… Esperavam-se todas as manifestações (im) possíveis de amor que estariam por acontecer… As palavras viraram actos e o seu comprometimento contínuo! Finalmente, Matilde encontrara-se com o Amor, mesmo quando habitava o seu deserto.

21 abril 2011

Espinhos...


Talvez seja incredulidade minha, provavelmente vacilei em algum aspecto de mim sem dar conta. Tropecei no abismo e caí lentamente conforme um cego alcança a escuridão sem sequer ensaiar…E chegou a minha alegoria há muito tempo… «A alegoria chega quando descrever a realidade já não nos serve. Os escritores e artistas trabalham nas trevas e, como cegos, tacteiam na escuridão.» [José Saramago] Identifico-me…

É essa escuridão que tantos e tantas se recusam a ver, a penetrar, por medo. A arquitectura dos meus sonos anda desordenada e o período de sono REM está agitado. Aliás, brutalmente trémulo e exaltado. (Preferiria ouvir o som dos REM nestes momentos… porque sei que Everybody Hurts… [Sometimes…] e que a cada dia que passa, perco credo… religião… [Losing My Religion – REM] e todo aquele refrão cobre-me o corpo, a alma e sinto um estado de vigília concreto, violento e sarcasticamente lento… Corroem-me as palavras:

«But that was just a dream
Try, cry, why, try?
That was just a dream
Just a dream, just a dream
Dream…»

Acordo e, mais viva e em maior estado de vigília impossível…

Henrik Ibsen diz que “O homem mais forte do mundo é o mais solitário.” Talvez por ser aquele que mais imaginação tem para criar defesas, que o impedem de cair quando o corpo já mal se ergue em cima de cascos, sem qualquer ferradura duramente lacrada.

Réstias de rosas encarnadas de textura aveludada que de tão belas, desfazem-se em Espinhos cravados no peito…

01 abril 2011

ORIGENS


Foram necessários anos e anos, atrever-me-ia a dizer décadas, para que me apercebesse quais as cores que formam o meu arco-íris…
Ia tendo luzes, saboreando momentos… Subindo às nuvens com um amor incondicional que me abandonaria a chamar de paixão…
Talvez porque acho que são as paixões que nos movem… E as únicas capazes de mover montanhas, provocar hecatombes… De nos oferecer a inspiração e a energia necessária no nosso mais recôndito limite…
Muitas são as vezes em que me sinto incapaz.
Muitas são as vezes em que não me julgo com forças suficientes para aguentar o leme de um barco que sou apenas eu. Quiçá, uma bússola me desequilibra por a não saber ler em profundidade, da mesma forma que as rotas residirão no segredo dos deuses… Todos os meus pontos cardeais estão adulterados ou a caminho disso mesmo. Em suma, presto-me a ‘ser’ um vulto andante não identificado, que se vai abstraindo das sombras que se cruzam a cada passo do percurso que escolho pisar…
Curiosamente, o comando da televisão é bem mais auto-suficiente que um comum mortal…
Duram até acabar a(s) pilha(s), mas facilmente se consegue contrariar e remendar o assunto…
Os vários botões disponíveis possibilitam que acedamos a diferentes mundos…
Em breves instantes… Contam-se histórias. Expõem-se as mais diversas realidades sejam elas científicas, fictícias ou reais demais para se assumirem enquanto verdades.
Num surrealismo de personagens, identifico-me com vários percursos de vida, emociono-me com imagens destorcidas de maldades, de meros desencontros bacocos ou de atrocidades desavindas…
É nas descobertas, encobertas pelo tempo ou na pureza das memórias esquecidas, que encontro respostas tendencialmente minhas…
Afinal somos feitos dum passado, dum presente e dum futuro.
O que descubro? Relações que equacionadas fazem sentido, ou não fosse a matemática uma ciência exacta! Chegando a números em processo de catarse ou metamorfose… que deixaram chagas marcadas num tempo passado, mas que na encruzilhada de momentos vividos, fazem hoje parte dum universo sempre em vias de extinção…
Cada dia é de preservar, mas mais do que isso, é o tempo certo de marcarmos vincada e definitivamente a nossa atitude perante esta vida que se nos apresenta, enquanto este mundo existe... Direi aproveitar ao máximo a passagem, a oportunidade que nos foi concedida de respirarmos o ar que lentamente se vai asfixiando…
Talvez nesse sentido Saramago tenha escrito que «A eternidade não existe. Um dia o planeta desaparecerá e o universo não saberá que nós existimos.»
Descobrir origens não é mais que nos completarmos mais um pouco…
Descobrirmo-nos é uma eterna incógnita, mas no que respeita aos nossos verdadeiros talentos, há que provocá-los ao máximo, para que os enxerguemos nitidamente.
Nem sempre os outros conseguem prever as nossas potencialidades, se não as expusermos um pouco… Levantar o véu… É partir para um infindável universo de fertilidade.

23 março 2011

Tempo de Orar…


Ontem falamos. Foi um diálogo espiritual.
Falaste que estavas feliz. E eu nada sei de ti, nem do teu paradeiro para ser mais concreta.
Às vezes falo com o vazio à espera de respostas, mas é nessas alturas que encalho com a mítica frase de Séneca: "Não há ventos favoráveis para o barco que não conhece o rumo."
Estranho tudo e o rumo acaba por ser uma vasta linha de horizonte, que ninguém alcança, nem mesmo do outro lado do mundo [do outro lado do meu mundo?!].
Disseste, esboçando um sorriso que ‘não mais deveria chorar’.
Mas sou Mulher, sabes?
Se é desculpa ou não, não sei… Mas sinto a fragilidade sensível da saudade que por ti se rende.
Onde quer que estejas, e se me vês, digo-te desde já que estás numa posição privilegiada.
Poucos sabem de mim.
E tu encontras-me sempre, pelos mais indiferenciados meios…
Não entendo porque te escondes tanto, quando este é o teu tempo, o nosso tempo… O incalculável tempo de sentir!
Falta-me a passagem, para a outra margem, mas o barco não tem motor e para os remos já não há força… Resta-me flutuar neste mar imenso, denso, intempestivo.
Tu bem sabes como são os meus dias: eternos recomeços, que mais parecem quaresmas num só dia, em que me converto a práticas de jejum, esmolas e orações…
Fiel aos meus ideais, estes dias não passam de penitências vãs…
Pois a minha meditação é tão ou mais desproporcional dos anseios que julgo perdidos…
Qual o reino que me aguarda depois de tanta caridade coerciva, exasperante e irremediavelmente extenuante?
Que luta desbravo? Que justiça me ergue? Que paz me acompanha? Como o amor poderá construir e estender-se à Humanidade?
Abandono-me à reflexão oca, porque tudo em que acreditava tem os dias contados…
A minha economia entrou em colapso.
E, no ajuste de contas, somo contas subtraídas, multiplicadas por divisões complexas...

15 fevereiro 2011

Sinais Vitais


Estou a arder em fogo, em chamas voluptuosas. O fumo deixa um odor trémulo de paixão...
Acho que amor é amar-te cegamente… e, avistar-te em todos os horizontes que me preenchem de vida. A beleza deste amor não tem identidade, mas todas as suas emoções interferem no bom funcionamento de um corpo em labaredas vivas.
Sem qualquer sinal de lume brando, observo todos os sinais que me encaminham a puras cinzas.
Pensei que as palavras fossem incapazes de ganhar autonomia na altura de serem proferidas ou, que a voz falhasse nesse preciso momento.
Esperava que se ouvissem ecos internos, para que não se balbuciassem palavras falhadas que de tão mal articuladas transmitissem o eco oposto…
Aguardava mais a(s) resposta(s), do que propriamente a pronunciação de vocábulos que se assemelhassem a sentenças, se bem que nessas questões, a clareza seja escassa em todo o seu esplendor…
Não acreditava que dois seres combinassem e se completassem tanto, ao ponto da adaptação ter sido conseguida ao ritmo de duas vidas tão distantes!
O cenário comum era de destruição. Devastador. Indigno de reposição de controlo. – Diria eu. Céptica em relação a tudo quanto ao que aos sentimentos bons, possa dizer respeito.
Vivemos momentos de «papel»...
Papel, que se dissolve pelas gotas de chuva que teimam em cair... Desmesuradamente...
Papel que não sei se resistirá à reciclagem dos tempos...
Vivemos de apontamentos, de breves anotações falidas...
De rascunhos sempre inacabados...
De sinais vitais que se esfumaçam sem qualquer longevidade...

20 janeiro 2011

(Des)Encontros?!


Vou cravando os lábios entre dentes, em tom de êxtase pela tua presença inerte e encantada…
A tua surpresa é como a névoa que jorra em fracções de segundo, todas as memórias que escavei em ti.
O que desconhecemos uns dos outros? Uma infinidade de pensamentos tão clandestinos, quanto aquilo que o nosso próprio inconsciente esconde. E do qual temos uma vaga ideia! Igualmente, se doutra forma fosse, estou certa de que iríamos acumular imensos detalhes difusos… As vulgares enxaquecas, converter-se-iam ordinariamente numa ‘vulgaridade’ absurda.
Não esqueço o teu rosto. E aquelas palavras que disseste. Talvez fossem palavras predefinidas ou preconcebidas, mas recordo uma a uma: «Ligo-te no olhar, desligo-te no paladar! Ligo-te quando estranhas, desligo-te quando esperas! Desligo-te agora. Ligo-te já…» ‘Coisas’ de homens ou coisa que o valha. Dizem estas coisas, mas são independentes da conformidade. A ‘pseudoignorância’ e a ‘pseudo-auto-consciência’ não têm limites… A presunção do auto-controlo e da auto-sapiência é invulgarmente deliciosa! Mas só o que existe, é desejado realmente…
Carecia de tempo real, porque meia dúzia de minutos tem sido muito pouco…
“Para quem diz não ter tempo, que tenha tempo, de no tempo encontrar o tempo.” Ai, Paulo T. Fonseca, e encontrar-me neste tempo?
Tenho abraçado a vida de forma incondicional, mas o ar tem vindo a asfixiar-me ferozmente. Tem estado turvo, tal como a minha visão tem estado intransigente e apagada. Todos enganamos a morte ou vamos enganando… num período inconstante e indefinido.
Identifico-me com o abandono da (ou à) sorte, sem o teu cheiro, sem o murmurinho calando palavras doces no meu ouvido, sem o teu corpo atracado ao meu.
Se me amas conduz-me, que sinto-me a vaguear no espaço e o universo parece-me muito acanhado, diminuído e minúsculo.
Tenho saudades de te ver no meu jardim d’ alma, ‘amor-perfeito’.
Colorido, mas discreto.
Personificado, mas concreto.
Quando escuto que “a solidão não é mais que um sentimento egoísta que nos faz pensar que estamos sós, quando na verdade estamos rodeados de tudo o que nos ama” atinjo a minha imperfeição enquanto ser.

10 dezembro 2010

Suspenso no real


Já me entreguei à astúcia do tempo, fingindo que não via essa representação simbólica da eternidade que construímos e abandonaremos um dia.
Inexorável, remeti os meus pensamentos borda fora naquele embalo marejado, porque queria afogar as mágoas no esquecimento, só que as dores, por mais que caminhe ou esbraceje não me ensinarei a apagar.
É o que acontece quando as derrotas são intransigentemente nossas e não há tempo, nem desculpas para a mais fatídica despedida.
Peço e repenso nas boas memórias impedidas da continuidade, implorando que o fim não fosse tão perverso e cínico ao ponto de me perder de ti tão rápido, com a perícia de uma vida que se esvaía entre as minhas reminiscências indolores e ávidas de amor. E que nunca mais poderei vislumbrar, nem tocar, nem partilhar esse ar de vida que se perdeu, ou que em última instância quero acreditar que se desencontrou subitamente de mim.
Seco uma lágrima e outra… e outra… e ainda mais outra… tento secar todo esse pranto que me enche os olhos de saudade… Nada me consola… A veia cava entope-se de melancolia… e tudo o que chega ao coração é um desperdício de carência da tua presença.

Do pontão avisto águas turvas e ondulações fracas… escorro-me para o rio que retém a minha água pontífice, suprema. O horizonte esconde-se atrás dum nevoeiro cerrado, pois nem ele quer ver a tristeza de alguém que se perde de outro alguém…
Apesar do Outono, é manifesto o frio, que nem a camisola de gola alta, o casaco mais quente ou o cachecol podem proteger dum icebergue colossal como o que carrego…

Embalsamo as memórias que colorimos juntos… É tudo o que de ti tenho… Parece tão pouco, quando no fundo foram fragmentos vividos de ternura, de amizade, de cumplicidade, de abrigo.

Nunca esquecerei quem partiu…

Aquilo que vejo agora são sombras encobertas pelas almas que me falam ao ouvido, e que sem cegueira e sem ensaios escuto vagarosamente, saboreando as vossas vozes que me lisonjeiam os sentidos… Fecho os olhos e deixo suspenso o momento de voltar a ver vida…

[Em memória de J. e F.]

11 novembro 2010

(Re)Conciliação...

Pouso o corpo, como se o desmantelasse, naquela areia molhada junto ao mar…
Carecia daquela paz, daquele abrigo, daquele relaxamento épico.
Carecia sentir a natureza a acalmar-me os distúrbios que me extinguem as forças.
A brisa do mar irrompia sobre a nudez que se descobria.
Enquanto um arrepio me atravessava a pele em brasa…
Não lhe reajo, mas deixo-me a apagar as nuvens do céu.
Os raios de sol da manhã intensificam-se e fixam-se nos grãos de areia que escaldam o toque.
Vagarosamente, sento-me, flectindo as pernas, entrelaçando os dedos das mãos sobre os joelhos…
Tento abrir os olhos, mas é quase tarefa impossível, uma vez que a luminosidade que se afigura não deixa avistar nitidamente a cor do sol.
O mar está brando, parece um rio sossegado ou uma lagoa paradisíaca com cores fluorescentes.
Num vaivém disciplinado, o areal cobre-se e descobre-se de águas límpidas…
Pela areia vagueiam pedras e pedrinhas de várias cores, búzios e conchas com vários trejeitos…
E uma espuma suave vai riscando várias linhas na areia ao mesmo tempo que a maré se presta a vazar…
Ouço as gaivotas esfomeadas, mendigando por peixe fresco.
E em ambiente bucólico, o tempo acaba por passar incalculavelmente.
A solidão atravessa-me o peito já habituado a viver em retiro constante.
E lembro-me de ti… Lembro-me da tua voz…
Sabes, é quando estou contigo que me reinvento, me ignoro e consumo todas as fertilidades do meu imaginário.
Dir-te-ei ainda que tropeçando nestas memórias, é impossível não curar a alma e não reconquistar a conciliação com o meu resfôlego.

10 novembro 2010

Há dias... Há noites... (que não tenho ideias livres!)

[...]
Há dias que não tenho ideias livres.
Nem vontade.
Nem ideias.
Nem liberdade.
Nem dias.
Encarcero-me na desilusão dos dias felizes, porque o foram e já não o são.
Apagaram-se com o tempo, num silêncio rude. Impotente. Dissidente.
As imagens desbotaram, nem a cor, nem o preto e branco carimbaram a cor sépia do tempo.
E de carimbos percebo bem, aqueles que me marcam a pele em cicatrizes intempestivas.
Lembro-me bem de duas bocas acostadas, sedentas do hálito quente e sorumbático, saboreado segundo o despertar inflamado da paixão.
Como adoro estes aplausos de alma!
Serei perfeita ou imperfeita nessa livre vontade?

Viajo demasiadas vezes no tempo.
Entro e saio no carrossel… após mais uma volta e outra, e outra, e outra.
A partida e a chegada são semelhantes, diria iguais, dado o percurso incluso, se bem que as motivações são completamente diferentes. Passa-se da euforia aos pontos finais…
Pontos em que se perde…
Pontos que se cruzam…
Pontos castradores…
E, sem qualquer alternativa, voluntariamente, rendo-me e entrego os pontos.
Já não sei ser serpente, nem corromper-me com o meu próprio veneno, que outrora me deu vida e me atirava, nem que fosse aos pontapés, para o mundo.
Ninguém esquece, o quanto esse veneno é atroz e eficaz.
Em êxtase, em desespero resistir-lhe é impossível.
Que o negue, quem for capaz…!

Por esta altura, não sei muito bem qual a minha circunstância neste mundo…
O nível de desfasamento da realidade é gigantesco.
Em última instância, acho que estou por aqui a tentar remendar o sol…
Ou os pedaços de luz que me seduzem os sentidos…
Concentro-me nos sorrisos que iluminam o meu sorriso...
Penetro o olhar na beleza dos momentos parcos e incomuns.
Fecho os olhos e abraço a vida, adormecendo como uma criança depois de um longo dia de recreio.
Adormecida, espero que o teu veneno me entranhe e me arrebate, numa melodia soturna e apaixonada.
Apenas essa poção me fará viver de esperança num ritual de encantamento e de felicidade…
Há noites que não tenho ideias livres.
Apenas vontade de amar incondicionalmente.
Apenas ideias e ideais de satisfação.
Apenas liberdade para sermos felizes.
Se calhar, apenas noites,
Apenas boas noites para serem vividas e partilhadas em ambiente metafísico.

28 outubro 2010

Vozes que não esqueço!


Escuto o meu nome pelo som que proferes…
Todo ele se invoca e se perde nos teus lábios, enlevando-se para os meus sentidos…
A emoção toma conta do nó que sinto na intimidade, ao escutar esse timbre que me preenche.
Expiro todo o ar que me resta e apenas espero não desfalecer, se bem que em verdade o meu chão já não está na íntegra debaixo dos meus pés.
Qual serpente encantada sou, na vibração de cada sílaba que expeles por entre a perdição de lábios doces e ternos...

[…]

26 outubro 2010

Convite à Taxa de Mortalidade

É interessante ouvir falar sobre a desafiante indiferença que este (e outros) país(es) tem para com as gerações que se preparam para o segurar ‘de bandeja’ nas mãos…
Dão-lhes precariedade ao mais alto nível e ao que parece é preciso ser-se licenciado, para viver na precariedade mórbida! (Até nisto as maiorias ganham… é o poder da democracia!)
Dizem por aí que um licenciado tem que ganhar no mínimo, o equivalente a dois ordenados mínimos nacionais, quando se conseguirem um ordenado mínimo nacional, é sinal de emprego.
Dizem por aí ainda, que estudar e formação superior, naturalmente qualificada é uma mais valia…
Provavelmente para ter a animosidade suficiente, ou vá, o estômago suficiente, para ocultar as suas reais qualificações… para conseguir um emprego.
Fala-se que a crise é uma oportunidade e o discurso repete-se em múltiplos serões de esclarecimento e de sensibilização, o que é certo é que, esta crise parece de facto ser uma oportunidade efectivamente para os jovens caírem na enorme bancarrota do endividamento.
Pois, se várias criaturas conseguem multiplicar-se em cargos e honorários chorudos, os caríssimos jovens têm ao dispor a miserável oferta de estágios não remunerados, que findos, tem uma porta aberta: a da rua.
Após várias tentativas frustradas de estágios e mais estágios, vá, “vai-se ganhando calo” em matérias como persistência, perseverança, úlceras nervosas agravadas, depressões crónicas, horas extra não remuneradas, resistência gástrica (ou não), suicídio?!, frustração agravada, e em última instância chega-se à triste e desmazelada demência.

Ora, grão a grão vai-se extorquindo até ao tutano estas criaturas, que quiseram investir na formação quer dos filhos, quer dos próprios!!! Resultado?! Não é muito difícil adivinhar. Acabam por se resignar e tomar como garantido um emprego qualquer, para assegurar aquilo com que se paga os melões…
Bem, para não dizerem que não sei daquilo que estou a falar, e como diria alguém da hasta pública ‘é só fazer as contas’, e uma vez que a matemática nunca me foi infiel…
Vejamos, se somos a geração dos 500 euros, ganhamos mais 25 euros que o salário mínimo nacional e menos 450 euros, equivalente a um ordenado de um licenciado. Sinceramente entre ganhar +25 euros e -450 euros, ora ‘que grande gaita’, como dizia o professor Gusmão de matemática de 5º ano, do ensino preparatório. (E e é que nem como nos filmes é, em que “qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência…”)
É o SAQUE! O ROUBO! A LADROAGEM! Dum imaculado rigor, surpreendente…
Portanto, São as diferenças… se bem que receber 500 euros em nada se compara a receber zero euros, estando na rua desempregado.
Numa ginástica orçamental, 500 euros tem que servir para pagar água, luz, telefone, gás, géneros alimentícios, prestação do carro, prestação da casa, escola dos filhos e despesas que tratam de aparecer desavindas do além?!… (cônjuge desempregado, as SCUTS, o IVA a subir… e vários etc’ s.)
(Acho que encontro um pervertido elo de comparação entre geração rasca e geração dos 500 euros… ou quiçá um círculo vicioso… apelidado: geração enrascada!)
E o pessoal ainda incentiva à natalidade… como se as pessoas não tivessem o mínimo de massa encefálica… (vá lá que essa ‘massa’ ainda vai existindo) para saber que se não têm oportunidade de garantir dignidade de vida às crianças, para que as vão ter? Para passarem necessidade? Para a lei não proteger devidamente as mulheres? E a que algibeira se vai recorrer?

Passemos aos idosos, que recebem por mais de 40 anos de trabalho uma desgraça franciscana… (e há quem fale em dignidade na velhice… mas até aí o ostracismo reina!)
Vamos ao sostras deste país que se vingam no rendimento mínimo de inserção social… enquanto o Zé Povinho aperta o cinto…
Vamos aos não menos sostras que acham que o fundo de desemprego vai durar para sempre… Colando-se a eles tipo lapas e não o trocando por menos!!!! Ah!!! Valentes!!!!!!!!!
Vamos ainda à questão, dos descontos para a Segurança Social que são religiosamente feitos mês a mês, e que cuja aplicação é duvidosa… Interrogo-me daqui a 30 anos se chegar à idade dela, vou viver de ar e vento e dizer: Porreiro, Pá!?

Portanto, aquilo que quero propor a um(a) senhor(a) secretário de estado, ou um(a) senhor(a) ministro(a) é tão simples quanto isto: reduza os seus rendimentos a 500 euros (essa farta quantia!) e governe-se um mês, nem que seja Fevereiro, para que a hecatombe não seja traumática. E depois explique como é possível viver com dignidade auferindo este magnânime montante!? (Parece-me que aqui a atitude vai ser de indiferença… quando todos apregoam o não à indiferença…) A propósito, existirá pior sentimento que a indiferença?

Quero um Alzheimer compulsivo… para esquecer o mundo onde vivo.
Ou então como diria o Lopes da “Sábado”, ensurdeçam-me com as vuvuzelas, para nunca mais ouvir falar de crise…
Porque se ela existe, claro está, não é para todos. É só para aqueles que sempre conheceram de perto os sintomas da dificuldade…

Este é o desafio que coloco à indiferença.
Porque não importa o género, se a igualdade é sempre tão discutível e a inclusão social não passa de mera ilusão. (Além de que sempre foi mais fácil e simples excluir do que incluir.)

Perdoem-me o vómito. Mas não compactuo com hipocrisia.
E por isso faço um religioso apelo à mortalidade:
“Ó Senhor dos Matosinhos
Ó Senhora da Boa Hora
Ensinai-nos os caminhos
P’ra sairmos daqui p’ra fora!”

Para onde?
Não sei.
Porque quem foi… Diz que nunca mais voltou…

(escrito em Julho 2010)

14 outubro 2010

Pontos...

Canso-me da minha vassalagem às letras miudinhas, que reunidas, poucos lêem e que apenas eu, justifico.
Intrometo-me em demasia com a introspecção de notas soltas que se abrigam no meu inconsciente tolo e imprudente.
Palavras são só palavras quando significam, ao contrário, são apenas meros vocábulos expelidos… vociferados por bestas desenfreadas que pelos uivos de cães são amaldiçoados pelo vil cheiro e aproximação da morte.
Morte às palavras. Morte ao enormíssimo desacordo ortográfico instituído.
Morte aos pontos que já não são nem de admiração, nem de interrogação…
São apenas pontos. Ou indeléveis golpes, nos pontos de vista.

20 setembro 2010

Ar de vida...

Há recantos capazes de nos aproximar ao nosso mais íntimo mar, sem que nos percamos no emaranhado de linhas do horizonte.
Recantos onde se estabelece o encontro sempre que os momentos de diálogo precisam ser restabelecidos.
Era uma espécie de esconderijo com uma vista surpreendente e privilegiada para o mar.
De entre rochedos, vislumbravam-se estrelas que vagueavam no céu e experimentava os salpicos salgados das ondas mais intrusas…
Na mais perfeita miragem deixo-me levar e conduzo-te nesta delicada invenção.
Prostramo-nos num banco de madeira a contemplar as dádivas da natureza...
Vais desviando a atenção entre a frontalidade do mar e a invulgar luz das estrelas cadentes que num ápice desaparecem.
Mal dá tempo para pedir um desejo…
Mas ao ouvido, sussurras-me desejos que esperas ver cumpridos...
Escuto, atenta... E vagarosamente deixo-me levar pela respiração que arfa no meu ouvido e que escorre pelo pescoço...
Os lábios tocam-se com a mesma brandura dum véu singelo que cobre um corpo despido. Mergulhamos num beijo de intensidades obtusas…
Os braços entrelaçaram-se num laço eterno...
Como se estivéssemos a embrulhar aquela noite no nosso presente.
A intranquilidade do momento restabelecia o sossego em duas almas abandonadas.
O nosso ar fundia-se em vida.
Se existia, estaria desfasada e ainda mais perdida de nós.
A avidez do momento fez esquecer todas as imagens de rostos incapazes de resistir às melindrosas paredes duma casa com fissuras e brumas enterradas numa atmosfera gélida e desabitada.
O êxtase do momento recriava um acordar em que o ar que se respira é o mesmo…
Num calor indescritível. Sentimos o ar transplantar-se entre nós. O teu ar era o meu ar…
Finalmente respirava.

10 setembro 2010

Este meu desassossego...

Estranho cada pluma que se enroscou no meu peito.
Estranho a cor, o cheiro, o brilho.
E não lhe atribuo qualquer significado...
As camadas de brilhantina no cabelo fazem escorrer ou viajar o tempo.
As sombras nos olhos, o rímel negro poderoso, as maçãs do rosto rosadas…
O vestido marca uma silhueta feminina uniforme…
Cobre a pele como se de uma segunda se tratasse…
Os saltos fazem crescer a voluptuosidade do momento…
Sobem-se as escadas e diante de desconhecidos rostos…
Abre-se o pano, acendem-se as luzes, dando lugar o espectáculo…
A sombra está ao meu lado no palco.
É a única que não me olha com falsas esperanças.
No texto do guião murmuro em monólogo:
Já não tenho palavras que a ti se dirijam… estás longe do meu presente.
E ainda mais do meu pretérito mais que perfeito.
De amores-perfeitos sei pouco, até porque duram pouco…
Erguem-se majestosos até que o tempo os leva à condição.
O que me leva a crer, que mesmo os efectivamente perfeitos, não sejam eternos.
Provavelmente duram uma estação.
Provavelmente a semente não prevê a sua cor.
Provavelmente não sabem que fim é suposto esperar…
Vento, chuva, mão criminosa?
Mão que não deixa a ligação com a natureza perdurar…
Rouba-se uma vida…
Acaba-se com ela.
É esta injustiça que me destrói e me aniquila a alma que me resta.
Assassino de almas.
Assassino de mim…
Num melodrama perverso, morro em palavras e caio matando a minha própria sombra do alto palco.
Espero que o pano feche.
Quero ouvir o burburinho, que me espera esta performance tão intensa, sempre inacabada.
Numa confusão de cenário, som e luzes elevo-me do chão.
Olho o público, confusa e surge uma imensidão de palmas e de ‘bravos’…
Aplaudem-me de pé e sorrio.
Hoje, por mais que queira vou dormir com aquele sorrisinho parvo.
Aquele que verdadeiramente me escalda o peito e me aconchega a alma.
A emoção toma parte pelo olhar…
Choro e rio…
E revejo cada som de aplauso bem como a luz que desponta daqueles rostos iluminados.
Já posso morrer porque já vivi este meu desassossego.

03 setembro 2010

Metade do meu céu...

Sombria a tarde cai, delegando na noite a obscuridade plena…
Uma gota de orvalho percorre a janela vagarosamente deixando para trás um rasto que seca por si.
Lá fora, os meus olhos apagam a focagem das luzes que se perdem no horizonte…
O silêncio é interrompido pelos sons do mundo que acalmam o sossego que ali se prostra.
Longe vai a vontade indefesa de cair no esquecimento das palavras de um livro, que me libertam as emoções…
Uma vela solta o calor de uma qualquer fragrância doce e frutada, iluminando o abecedário cruzado daquelas páginas romanceadas.
O instante remete-me a um embalo de tempo pesaroso.
Semicerram-se as pálpebras e, os contornos da história atravessam o meu inconsciente…
Reinvento personagens, procuro um espaço e um tempo coincidentes…
Atraio palavras para diálogos apaixonados…
Seduzo a natureza a tornar-se a mais harmoniosa…
Crio o tempo das possibilidades sem sombra de interdição.
Mobilizo os afectos… numa chusma de incapacidades para amar.
Com sentidos tão surreais quanto dispersos, que ficam no livro de apontamentos, para as notas de rodapé.
A árvore genealógica não tem raízes, tem inúmeras cicatrizes em relevo…
Entrelaçadas por rancos floridos de esperança e frutos cor de pecado…
As ervas daninhas formam relvados de jardins imprevistos, numa natureza viva e em absoluta comunhão…
O amor incorre na dúvida de se reflectir na vida dos personagens, como se necessário fosse um argumento ou contrato para amar… Nos encontros e desencontros que uma vida vivida é capaz de proporcionar…
A noite cai na perversidade da madrugada e acordo…
Acho que sonhei muito… ou passei por várias imagens fotográficas de intensidade variável…
Nem sempre nos abrimos ao exterior, aos impulsos e desejos mais encobertos…
A vergonha, a negligência, a culpabilidade compensa-nos os sentidos, anestesiando o que deixa de ser a nossa verdade…
Cedo à vulgaridade da letargia do sono e uma vez mais intensifico a disponibilidade para sentir…
No céu, desfaço um aglomerado de nuvens e escrevo o meu nome…
E no limite, aguardo que se complete… a outra metade do ‘meu’ céu...